quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

Jardim

A vida é sempre a testemunha dos céus sobre nosso sangue que se expande em todos os tímpanos, feito impulso sonoro, feito um sono danoso e duradouro, próximo ao jardim. A calamidade de nossos ancestrais nos puxa por debaixo da cama pelos pés que sempre se encontram em desatenção e lá estamos novamente, rostos próximos demais ao pó da terra. 

A taxa de mortalidade infantil ainda é alta se compararmos nossos corpos a motores semi-falíveis e justamente perecíveis que se expandem nesse espaço. Se a Lua sussurrada se combinasse com os diagramas esculpidos em meus dedos, diria que sou filha de alguma tristeza cozida em preces e olhos de boi, elefantes, ou de tantos outros animais de grande porte, largos, vastos, pesados. Mas há apenas o sonho de aranhas que passeiam sobre minha clavícula e cantando antigas canções ao lado dos meus olhos, nunca as vejo de frente, talvez sejam um detalhe entalhado desse lugar. 


Há pouco esculpi um frondoso jardim em frente aos meus dentes de sabre, era de terra vermelha, havia uma água pantanosa, uns pássaros que cantam ao amanhecer, algumas nuvens fragmentadas nas alturas, flores que desconheço o nome e procedência, etc. Nada de assustador, garanto. Talvez um fio de corda próximo ao rio, uma lã tecida em silêncio ao lado da jarra de porcelana com um chá esverdeado e de produção indefinida. O tempo é muito solitário ao lado desse chá, mesmo ao lado da moça que preparou o chá na estufa onde estão algumas das bromélias e orquídeas, mesmo de frente para o paletó desbotado pendendo numa cadeira, no jardim.


Aqui há muita poeira cor da terra que por ser vermelha, mancha tantos tecidos, das mais variadas texturas, modelos e tamanhos. Olhei para meus pés e, mesmo depois de lavá-los com água sanitária, permanecem cor de água salobra que é a água tipica do jardim, juntamente ao avermelhado da terra opaca que paira em seus termos por sobre o chá da moça, sobre os tímpanos dos elefantes, sobre olhares de porcelana lunar de grande porte.

domingo, 27 de novembro de 2016

Sorriso em mais de 30 atos

Tua maquiagem forte, borrada, feita de misturas diversas, entre cafés, em torno de teus olhos sombrios,
Aludiam aos sábados de aleluia que um dia permaneceram entre minhas tempestades cativas de memórias e de sinos, havia uma igreja antiga na esquina, os sinos sempre ao meio dia e às dezoito horas.
Sentia o cheiro de tuas fugas, sempre presentes num sorriso lento, moderado, numa ruga que se formava acidentalmente na lateral dos lábios com mais de trinta anos.
Aquilo era tristeza e verbo mudo em cima da mesa de madeira maciça, onde costumava jogar com displicência teus casacos e cotovelos, eu adorava o singular de teus dez dedos longos, ágeis e frios.
Não poderia guardar essa beleza que era constantemente arrebatadora e obsessiva entre meus dentes, precisava colocá-la na ponta dos dedos todos, precisava das pontas dos pés dos outros que eram mais altos, precisava estar no meio de alguma das múltiplas e espantadas línguas de Deus, num allegro molto appassionato.
Teus dentes eram sempre encobertos por nuvens que transitavam entre um estado de humor e outro, eu nunca conseguia decifrar qual seria o próximo movimento, mas tinha um sabor suave de café e de algum cigarro fino, daqueles importados, disso eu entendia um pouco e te adorava por isso.
Teus olhos guardavam a nostalgia daqueles que tentaram e não conseguiram, mas você pelo visto tinha conseguido tanta coisa sem nunca haver tentado quase que mesmo nada, apesar de teu silêncio tão inteligente que emudecia a gente, cativo, era uma espécie de planeta da comunicação em combustão, uma constelação tardia, um verso meio apagado da memória, era peça pertencente ao meu rosto, aquele teu sorriso vincado que tanto eu adorava, mesmo nas noites mais áridas e vazias.
Teu corpo esguio chegara em plena luz do dia e eu não soube como carregar no colo o tamanho dos teus olhos noturnos, quase me peguei rumando para outros apartamentos isolados na busca incessante de fugir da luminosidade de tuas luas refinadas, de teu olhar que mais se parecia com um sabor suave de café.
A madeira maciça que contornava nossos corpos em dimensões arrebatadoras teve nos dedos todos o nosso encontro, borrado, forte, feito de misturas diversas, feito de teu maxilar quadrado, cheio de revoltas, lábios firmes na seriedade das semanas que se seguiam.
Teu transbordamento era calculado como a marca de café que havia na tua caneca matinal, o meu era quase sempre fervido na água amarelada da tubulação envelhecida do prédio outro, eu me sentia muito só sem teu silêncio cativo. 
Teu silêncio era um pequeno prazer que escutava atenta e de olhos fechados, com a ponta dos dedos um pouco rígidos, um pouco cansada de analisar os possíveis fundamentos da trégua e de não compreender que o tímido e vincado sorriso era toda a explicação que precisaria para estes dias mudos e rotos. 
Pedi um café suave, já não fumo mais, mas ainda pedi uma constelação tardia e pedi uma peça da minha memória. Creio eu que me bastaria, até o meio dia, até reencontrá-la.

domingo, 30 de outubro de 2016

Observações

Não tenho cáries, sempre trabalhei bastante, isso deveria ser o suficiente. Arrancar todas as peles, devastar rostos com meus dentes afiados feito gema de ovo, é uma possibilidade. Estilhaçar meus cantos, minhas sombras laterais, me arremessar de tua janela estrambótica, outra possibilidade. Eu juro que recebi um pouco de educação, o suficiente, eu diria. Engula num suspiro de uma única vez a vez de vida que eu tive em meus pés, como um trago. Meu sangue pode congelar nas veias, minha sombra não estanca nas paredes e portas, ela prossegue, insistente. Estou como um canto de saia esvoaçante que se repete sobre uma vasta mirada, uma espécie de arrancar de peles. Minhas penas, peles e olhos prometiam algo a mais a outras partes de meu corpo, porém faltou um ritmo, um devastar qualquer que tocasse como estratagema minhas veias. Eu escovo os dentes quatro vezes ao dia. Eu me deito, não há recordações, não há meu nome, meus sonhos, meus santos dias, meus golpes de alegria, meus horrores de estar em, de estar sobre algo, de sentir além das esquivas e dos anos traiçoeiros nos quais permaneço em posição de caça. Sobre a impossibilidade do amor, minhas veias tomaram formatos equinos e o coração algo que não pode ser nomeado, talvez recitado com uma velocidade acelerada. O chá não estará pronto a tempo, a comida não estará servida e minha cama estará bastante arrumada mesmo no final. Não amassarei a toalha de linho da mesa de jantar, colocando meus cotovelos sobre, prometo. Não darei trabalho algum a ninguém, prometo. Deixarei a porta trancada e serei silenciosa, como aprendi a ser, sigilosa. Eu sussurro e, por um momento, é quase erótico meu sofrimento, me desculpe por esta observação impertinente. Eu reviro os olhos, sinto meus dedos frios sobre meu corpo, é quase um mistério que o destino seja assim tão estranho e inimigo, insistente, parece que não fui educada o suficiente. Não dançarei mais, não terei mais que ser alimentada, isso será de grande ajuda, garanto, logo logo, mais economia em tempos sombrios, uma espécie de peles e de rostos devastados se aquecerão das minhas sombras. Talvez haja uma dança lenta neste caminho de aquecimento das marés, mas somente para os próximos meses, esta é a previsão. Alguns poderão ficar com os livros, os sapatos gastos mas, a cama permanecerá arrumada e intocada, eu sou organizada, mesmo sendo suja, fria e manipuladora, eu me viro, darei um jeito para que a sujeira seja a menor possível, afinal, sou apenas uma sombra sobre um edifício qualquer. Procuro sempre ser asseada e não amassar toalhas com meus cotovelos incômodos, tenho boas recomendações, verdade seja dita.

quarta-feira, 12 de outubro de 2016

Caranguejo

Traço todos os meus caminhos nas encruzilhadas azuladas pelo brilho espesso da carapaça do caranguejo. Caminho com os olhos baixos, silentes pés que se afundam em areias e cimento. preciso olhar para trás e sentir o vento que cai sobre meus cabelos na minha pele. um azul de cores que ofuscou a semente que atende pelo nome de canto e de sonho. Retraço rotas, levanto metas, não atinjo nada, é simples o dardo tranquilizante que permeia meu coração. tem um caminho de pérolas e dedos que transfiguram sonhos e que tem um nome marítimo. Sorrio um pouco, me sinto tímida e inadequada, é compreensível, não consigo expressar o quanto já carrego comigo. Mas não determino que o vento continuará a bater no meu rosto e que me inclinarei um pouco sobre a boca do poço e verei o teu rosto completamente translúcido num piscar de areias que se agitam no fundo. a minha saia subiu bem acima dos joelhos quando me inclinei. não temo, sorrio novamente, acho incrível essa liberdade que me dá chamar pelo teu nome e chamar palavras para encontrarem um vocálico e pálido alimento de quem tem por rotas os olhos no chão e pedregulhos ásperos nos céus. talvez seja o efeito dessa areia toda que deixei cair dos bolsos furados da minha camisa de carapaça de caranguejo. ainda encontro um aéreo voo que faz pelas sombras dos dedos naquele fundo de mar, naquele áspero poço, pelos meus olhos castanhos e tímidos, algo silente, tem o azul e outras cores variáveis. é compreensível que tenha chegado outra estação de mar, de trem, de vento terrestre, de tempo presente, de mãos entrelaçados numa chegada que se parece eternizada num momento de pedestre. Perdi todas as metas, caíram dos meus bolsos na areia, no fundo do poço, me inclinei, olhei o reflexo do teu olhar quente, úmido, tímido, como areia e mar. fechei os teus olhos com meu sorriso e esperei somente que o olfato desse serviço de guia ao coração destemperado. não senti mais medo de qualquer tempo, de qualquer monstro, eu tinha uma carapaça, tinha flores diversas para brincar no reflexo dos olhos alheios, tinha um brilho espesso que não adestrava nem meus cabelos nem minhas angústias. era algo de submarino que assentava como dedos em minha cintura e chamava um compasso de rio, de floresta, de rotas, de sementes. uma corda solta, uma nota que ressoa pelo mar e vasto como um caminho quando percebo que ainda piso sobre areias e cimento. minha saia levantou mais de dois palmos quando fiquei na ponta dos pés para olhar teu reflexo no poço. percebo que possuo nos bolsos e no coração uma carapaça de caranguejo. sorrio.

quarta-feira, 5 de outubro de 2016

Despeço-me de todos os oráculos

Despeço-me de todos os oráculos e, pela desfaçatez de um texto, me coloco do outro lado da margem, do outro lado da obscura lua de citrino. Não posso mais contar os dias através de cálculos nos quais habito em passado e futuro, sem ao menos ter a sombra debaixo dos meus pés e olhos, atentos, postos no chão. Levanto as pálpebras vagarosamente para a chuva que arrebenta o solo em poças que se assemelham à ondas sonoras. Calmamente fecho livros, calamidades, açoites, sangrias e amores. Desesperadamente me despeço de todos os oráculos, por caráter meu de obsessão, por um riscado estranho do Destino que me desdenha em vez de me comprar. Canto com os lábios um pouco secos, as mãos um pouco dormentes, pois não posso mais ler as mensagens que os oráculos deixaram nos muros das ruas, nos bancos das praças, nos quadros pendurados nas paredes do prédio onde moro. É o sentido invertido, é a loucura do símbolo e do signo que me arrebenta o peito e me deixa sem ordem. Não possuo mais esse dom. Descrever o Destino não é sinal de sorte. Não quero mais atravessar os sentidos que podem haver num copo que se estilhaça em vidros pelo chão da cozinha. Não posso mais olhar os corvos, as árvores, as estrelas, os planetas, as umidades do céu e assim lê-los em versos dodecassílabos. Não posso transcrevê-los nem com a saliva de minha ausência nem com a paciência de minha violência. Tenho chifres entre os ossos das mãos que me alfinetam o coração, todas as vezes nas quais toco em determinados tabus sanguíneos. Colérico, alarmado, fleumático, despeço-me dos trazidos e dos deixados, despeço-me de descrever o destino com alfabeto, alfabeto como sintagma. Despeço-me de todos os oráculos pois, por afinidade com o não existir, me restou muito pouco. Habito a história com os pés em alturas aquáticas. Habito com aquilo que ainda de pequeno anfíbio me restou entre as membranas dos dedos dos pés. A estrutura óssea é movediça sobre o medo. Despeço-me do olhar sobre a morte, pois não me cabe julgá-la ou usurpá-la ou delimitá-la em sua espacialidade que me é estrangeira, mas que carrego com um pouco de afeição estática, como se fosse um livro de horas, repleto de peso, imagens e fios de ouro. O que a clareza e a delicadeza de estar exausta me trouxeram não se posterga. Despeço-me do Destino ou mesmo O encontro agora, pois é instante.

sábado, 24 de setembro de 2016

Pugilismo - parte II

Não tenho por hábito escrever títulos ou encontro um punhado de dificuldades para que um texto caiba em três ou quatro palavras que compartilham um ideia em comum com aquilo que virá logo a seguir. E o que isso tem com o boxe? Pois te digo, tudo. A arte da esquiva é uma delas. Eu me esquivo de títulos, é quase um conto pensar num nome. As ideias cabem de modo invulgar nas sinapses. Penso que ao muito se esquivar, acaba-se por cair fora do ringue antes do tempo. Assim, na vida mesmo. Essa imagem da eterna esquiva, traz à memória aquelas fabulescas histórias macabras do século XVII e XVIII sobre como um homem qualquer tenta ludibriar a morte e acaba por encontrá-la do modo mais inusitado o possível no fim da linha. Sempre gostei da ideia de me relacionar com a vida fazendo uso do "clinch": o abraço que se utiliza no boxe para evitar que o adversário tome distância o suficiente para socá-lo nos cornos ou no fígado. Ou mesmo nocauteá-lo. Enxergo o clinch como uma mútua forma de admitir algo pouco viril, digamos assim: estamos ambos cansados. Precisamos de uma pausa. Precisamos de um pouco de tempo. Mesmo durante, em meio, ao embate, mas sem perder o ritmo da dança. Não há espaço para um copo de água. Nisso é que reside o mais incrível e mágico. Nunca se perde o compasso. Mesmo quando se muda de tom em meio a uma canção antiga e não partiturada ou mesmo partiturada, mas que você não sabe ler a tal grafia musical. E como evitamos o adversário? Isso mesmo, o abraçamos, improvisamos, decoramos a canção para tocá-la com a partitura a nossa frente, fingindo, assim, saber lê-la. Tacitamente sabemos as regras do jogo (e as regras da morte) mas não estamos interessados aqui em nos esquivar dela. Esquivar-se da morte é jogo de aposta barata, é carteado em beira de estrada apostando a sua bendita alma por não ter uma pataca furada no bolso, é jogada furada, já te disse. Esquivar-se da morte é trama em malha fina, perto do penetrar um reino qualquer de poeira e vaidade, um reino de fundo cargueiro, um reino marinho que traz canto antigo de velho marujo que escreve e que luta um pouco, ocasionalmente, nas guerras napoleônicas. Talvez aos finais de semana. O clinch não é para finais de semana ociosos nem para conversas amigáveis às tardes de sábado por volta das quinze horas nas quais você utiliza a porcelana de sua tia madrasta com arabescos azuis e colchetes que mais se parecem azulejos presos numa vírgula do tempo. O clinch é para ser mais utilizado do que a esquiva, pois o boxe é esporte que se dança, é um jogo em que nos tornamos mais vulneráveis do que o habitual perante os olhos do tempo, é um esporte de corpo a corpo, sangue e estrelas. Note como dança: sempre gostei de boxe.

quarta-feira, 21 de setembro de 2016

Pugilismo

Sempre gostei de boxe, mesmo quando não tinha consciência de verbalizar esse gosto através da letra grafada. Mas como se gosta de uma sucessão de socos sob a forma de arte, de esquiva forte, imperfeita, calculada, matematizada na linguagem do corpo transpirável? Sabe-se que ao levar o último soco numa briga de escola, daqueles que doem de verdade, mas não possuem força o suficiente para deixar vestígios sobre a pele, levei um gancho. Um gancho é um soco que te desestabiliza, você perde sua noção, por milímetros do espaço-tempo, do segundo que te faz ter um nome, um ideal, uma grafada palavra de metal entre os dedos. Esses motivos se modificam, como um papel de parede florido em tons de verde e marrom e magenta na parede da casa da vizinha da avó da tua prima de segundo grau que faz uns bolinhos de chuva deliciosos, mesmo com as mãos calejadas, mesmo sem nunca haver sequer cogitado dar um soco em quem quer que a humilhasse. Essa é a brincadeira de esquiva do cotidiano, que faz a chuva e o sol terem uma casa de teto de vidro nos olhos de estrela de quem foi socado com destreza, mas talvez sem muita paixão. Para que haja manchas roxas é necessário que antes tivesse o vermelho, não há outro modo, ao meu ver. Este é outro elemento forte na arte do nocaute, além da esquiva e dos nós nos dedos de papel-metal: (pois flexibilidade não se faz somente com a língua quando esta é sabida na afiada corda) a chamada habilidade-paixão. Há de haver paixão no vermelho do alvo, no sangue que pontua com encruzilhadas sanguíneas e muito finas o branco que envolve a íris escura. Há de haver paixão na guerra do corpo, no novo papel de parede, delicado e mais floral, que cobrirá o arroxeado do soco que ficou na ausência da antiga senhora que escondera cartas de amor (sem erros ortográficos, me desculpe pelos que aqui cometo) nos papéis suados por um amarelo quase celeste, as cartas acho que datam de 1937. Mais um ano de muitos socos, golpes, ganchos, esquivas, esquifes e outros melindres que não podem fazer parte de quem caleja os dedos nos murais de um antigo cemitério judeu no clandestino de uma boca quase sem saliva. E onde há o boxe nisso tudo? Pois te digo sem pensar duas vezes num mesmo palmo ou num mesmo plano de instante: está em todo o roxo, está nas cartas amarelas, está na senhora vizinha, está no soco que levei quando tinha 14 anos, está na violência de permanecer viva, contudo, e naqueles que cuspiram uma nuvem de musicais venenos que, se bem dosados, curam também, me disseram. E eu pude provar através de diversas sequências que compõe o que nomeamos de outra maneira como 365 dias, ou seja, um ano. O soco, o cruzado, o cruzeiro do navegar é preciso, o cruzeiro das almas, está numa cápsula que macula o que foi dito por diversos medos de caminhar entre o cruzamento, entre o vazamento do sangue inteiro que se derramou um pouco, junto ao açúcar de confeiteiro, pelo cantinho da boca, naquele ponto onde os olhos, aqueles que viram estrelas e vagearam por um tempo, não viram, não notaram. O sangue de verdade é mais escuro do que se parece nos filmes, eu não consigo nomear as cores tão bem, talvez eu devesse, já que resolvi revolver as palavras como se grama fossem. E a cultura da grama não vale menos por isso, disso também sei. Agora as marcas estão tomando um outro rumo no corpo que se empenha em buscar o menos do pior daquilo que o cruzado boxe-trote trouxe: aquele do verde quase amarelecido, envelhecido como as cartas de 1937 ou mesmo de antes. O boxe é também uma dança, sempre gostei de boxe.

quinta-feira, 4 de agosto de 2016

Matar o tempo é memória terrena

                                            Dedico ao meu avô materno


Meus caminhos foram dedilhados para escarpar montanhas escaladas, espumar poeiras com os cascos, chafurdar entre pedras silenciosas, como encontro, como perdição, como saudade bruta e que dilacera sem ter fim. E em pendências que transpassaram por ciclos planetários, rompi com o que de envelhecido havia na leveza triste, e em clareira no meio da nuvem, havia fogo, prisão e neblina.
Na tristeza de passar por constelações entre os dedos e perfurar meus próprios olhos, estrangular minha voz, silenciar rochedos banidos pelo mar, despidos pela cósmica frieza que o vento traz, olhei novamente para trás e vi teu rosto magro, abatido, de olhos escuros, voz grave, alta e taciturna.
Meu avô lia Augusto dos Anjos para minha avó, na cama, para assustá-la, antes de dormir, antes de acordar assassinado e indigente num riacho longe de beira de estrada, longe da beira do mundo, longe da beira do interior de Minas. Décadas amarelecidas pelo vento que tudo conta, que tudo canta, que tudo corta, que entorpece os olhos de areia e traz a saudade como marca de sangue, como reencenar o canto do Outro. Ele era ator de rádio novela, meu avó, magro, alto, de sobrancelhas grossas, garboso, filho de imigrantes italianos, muito pobres, vindos da Sicília, terra árida, seca, grave, próxima à beira do mundo. Amanhã acordo com tudo aquilo o que é para se acabar e se findar de vez, que se finde e que sigamos nas beiras de precipícios com a humildade que nos convém, e que nos falta, com o ramo de trigo empunhado em mãos nesse ano, data máxima venia. Mas sou ao mesmo que uma anti-finitude do todo, pois guardo imensa matéria memória que é fogo, prisão e neblina, que é saudade bruta, que é permitir saborear vogais corriqueiras de nomes de ancestrais entre os lábios, mesmo de olhos escuros, mesmo sem fotografias, mesmo banidos pelo mar, mesmo com os dedos a perfurar os próprios olhos, mesmo que na beira do assustado encontro esteja mais um nome desconhecido apenas. Leva-se algum tempo conhecer o tempo, respeitar tempos de semeaduras, plantios, colheitas, chafurdar entre as pedras silenciosas com uma respiração entrecortada por juncos e lágrimas, pela matéria que envelhecida na neblina decanta os fragmentos de montanha que ainda possuo na sola dos sapatos antigos. Ele, meu avô, quebrava o pescoço das galinhas do quintal, quando embriagado, na frente da filha pequena que horrorizada se colocou no próprio poema putrefato do Augusto dos Anjos e por ali permaneceu mais tempo do que deveria de fato, de olhos escuros, se manteve a mesma menininha, assustada e tímida, do Itaim Bibi, quando este era bairro de beira do mundo, de empregadas domésticas e de imigrantes, de uma leveza triste e abatida, algo de beira de São Paulo Capital em meados da década de 1960. Essa moça, filha do meu avô que quando embriagado chamava os filhos de animal, teve uma filha prematura e que nasceu ruiva, feia e cabeluda, que desejava-se pela mãe que fosse moço, porque o mundo é dos homens, ainda mais nessa beira de estrada que é o mundo. Essa criança é minha mesmo? Foi a primeira pergunta assustada no hospital em greve que a menina neta do avô que lia Augusto dos Anjos nasceu, soube sobre si, antes mesmo de chorar ou logo depois, não importa, não consola. Na tristeza de passar por constelações entre os dedos e perfurar meus próprios olhos, estrangular minha própria voz, silenciar meus próprios rochedos banidos pelo mar, despidos pela cósmica frieza que o vento traz, olhei novamente para trás e vi teu rosto magro, abatido, de olhos escuros, voz grave, alta e taciturna e senti saudades, por não haver te conhecido.

quinta-feira, 28 de julho de 2016

Timidez

Bom dia/ boa tarde/ boa tarde em ritmo de elevador, olhar mirando os pés, ou para o teto, braços cruzados, uma perna meio cruzada sobre a outra perna esticada, o corpo levemente de encontro com o metal frio do ascensor. Típica postura de pessoas tímidas de sorriso, observadoras, caladas, de corpo meio curvado, mas a minha riqueza interna sempre estará mais intensa e bravia do que de mil vulcões em erupção, como bem sabem ser por dentro todos os introvertidos, os esquisitos, os de silêncios e os de esquinas e becos, aqueles que o sol nunca tocará com tamanha maestria como toca os demais, não sei porquê, mas não toca, por simples motivo de que o concreto é úmido e sua característica melancólica traz uma leveza ímpar que é cinza e um pouco castanha. Acabou que eu talvez tenha sabido o porquê. Embaralha nos cabelos também castanhos com um vento um pouco frio, mas agradável, nos dedos dos pés que não estão no sol, por estarem dentro dos sapatos fechados, os de olhos baixos para o chão, os que desviam de postes por um triz. Pés são elementos e membros que mostramos em dias de sol, pessoas solares mostram aos quatro ventos os pés e também os dentes, grandes, em pares cavalares, os molares, maciços e massivos comedores de carne. Os melancólicos possuem dentes frágeis, dentes que não receberam muito afeto e nutrição na primeira infância, faltou cálcio talvez, ou mesmo pelo motivo que a mãe tivera problemas com a amamentação, não produzindo leite por tempo suficiente ou mesmo não conseguindo produzir leite por estar semi-viva, mas essa é a fase crucial para a formação da estrutura óssea dos seres humanos, não se pode fazer nada. A primeira infância, até os 7 anos, segundo dizem. Não recebemos isso, mas precisamos de vitamina D, como qualquer outro ser vivente. Isso sempre nos nivela e nos pareia aos demais, não somos menos, eu costumo repetir todos os dias frente ao espelho do banheiro. Vivenciamos isso com tamanha grandeza e magnitude, o ato de receber o sol nas têmporas e no castanho dos olhos e cabelos e pele que, talvez, os de dentes e pés à mostra não consigam compreender, não por serem melhores nem piores, apenas diferentes dos que se dobram em múltiplas posições em meio aos demais, dos que tem mãos frias e que transpiram, das mãos que se esfregam na roupa antes de apertar outras e que o rosto avermelha por ter que tornar o simples bom dia/ boa tarde/ boa noite num cansativo ritual de não demonstrar nesse mundo de tanto sol o quanto de saturno se tem no coração.

domingo, 24 de julho de 2016

Corpos das falanges médias

                                                 Dedico às crianças sírias e curdas mortas na indigência da guerra

Pelos ossos das mãos vejo cenários antigos de metacarpos.
Atravessam tempos em tempestade forte, fecha os olhos, fortes cortes.
Lava a poeira dos ares e folhas que dedos minúsculos seguram meus músculos e tendões.
Vá num crescente envelhecer conjunto a ossos desgastados, os corpos das falanges distais.
Osso lunato que tem lua em forma de tema, possui cálcio e estrelas em sua base feita a pó.
Debaixo da terra, sete palmos de ossos sob poliformes nomes, nostálgicos nomes de medicina tradicional, jaleco branco. 
Viram o pó dos ossos desenterrados. Eles mesmos são cadáveres, respeite, ainda sobraram alguns dentes.
Cálcio, Potássio, Ferro, elementos que correm entre os corpos sem identidade nos corredores sem norte.
No corredor sem norte, a bússola dispara sobre ossos empilhadas num fundo de sala, anatomia medica, respeite, cresceram indigentes pelo bem maior, medicina, ciência, inteligência.
Fortes ventos, cortes imensos transversos modulam vozes e gargantas, decepam órgãos pelo bem daquilo que é humano, pelo bem dos corpos das falanges médias, muitos ossos, outros nomes, eles disseram.
Olha a anatomia de tantos, é tão igual, mas não é, há confusão entre os saberes dos homens.
Há tragédia nos ossos de tantos que guardam memórias debaixo de anjos de mármore e concreto, corpos finos, não mais firmes, em zona de indigência.
Todos em linha reta, horizontalmente dispostos estão os ossos que se dispõem a desintegrar matéria toda.
Corpo frágil de pássaro, luzes brancas por cima da cabeça a ser anatomizada, olhos de espanto, jalecos brancos, silêncio, sono, respeite, resguardo.
Pelos ossos das mãos vejo cenários antigos de metacarpos: a melancolia é a tristeza que passou a ser leveza, eles disseram, há vida, apesar de. 


sexta-feira, 22 de julho de 2016

Pousio

Aprender a se amar, a se respeitar e a se cuidar de si, é diário, é lição para uma vida inteira. 
Cabe a você se opta por matutar infinitas lunações sob a forma de mágoa e tristeza ou se opta por seguir galopante, rumo a algo, mas que nunca se sabe ao certo o que se é. 
Cautela. Audácia. Força. Luta. 
Não fomos ensinadas a isso, é preciso de muito murro em ponta de faca. 
Talvez uma vida só ainda seja ínfima para nossa estrutura de quebra cabeça que desencaixa e volta ao estado bruto de pedra, pedra com restos de unhas, de carne, de vísceras. 
Todo rito iniciático é repleto de quedas. Todo rito é morte. Toda a vida é bruta e não tergiversa. 
Língua humana é que faz volteio em torno do outro, em torno de si. 
Aprendi que quando nos perdemos numa trilha no meio do mato, deve-se seguir sempre em linha reta e, quando o entardecer se despenha dos céus, deve-se procurar um local debaixo de árvore (ou qualquer outro que instintivamente julgar o mais seguro o possível) para o pernoite. 
Não se vagueia sem luz, espera-se o dia amanhecer e segue jornada nova, tendo a cabeça erguida e sabendo-se humano, sabendo-se tão perdido em sua humanidade. 
Solidão. Não se precisa de simulacro para sorrir. Seguimos com os pés fincados na Terra e a cabeça repleta de sonhos aquáticos, contemplando verbo que é vento, elemento ar, mas que penetra ossos e os quebra sem meias conversas.
Cabe a você se opta por matutar infinitas lunações sob a forma de mágoa e tristeza ou se opta por seguir galopante, rumo a algo, mas que nunca se sabe ao certo o que se é. 
Finge-se que sabe para nos sentirmos um pouco mais importantes, um cadinho mais maduros, por assim dizer. 
Cautela. Audácia. Força. Luta. Respeite o pousio. Lança as redes ao mar e espere. Paciência. 
Quem não se importa que seja então levado do elemento pensar, feito vento nos campos de trigo, feito égua no cio. 
Respeita teu luto. Respeite tua luta. Resguarde o pousio. Seja grave. Seja rude. Respeite a terra. Guarde a cautela entre os dentes. Contempla o verbo ventar. Todo rito iniciático é repleto de solidão, de humanidade. 
Despenhe as lágrimas com os pés no solo em pousio. Adube a terra. Sobre prato de comida, não se aconselha a chorar por cima, pois traz a dor para dentro de si de volta. 
Chore como grito. Chore em silêncio. Dê murros em pontas de facas cegas. A fé está amolada

domingo, 17 de julho de 2016

Pelas migalhas, eu humildemente agradeço

O ar cativou o gelo em vidraça cinza.
Ecos, montanhas, matagais, no gelo do encaminhamento.
A terra resvalada pelo vento corrupia no céu da boca estrelado.
Mecânicos livra-me deuses dos trabalhos de Hércules.
Essa jornada do herói possui mais que cinco elementos.
Não tenho forças para segui-los e meu pensamento é neblina.
Repetem ecos sem livre arbítrio, as folhas parecem outonais, é tempo de parar.
Guardar luto pelos invernos, guardas lutas para os infernos, guarda amores para os enfermos.
Ajoelhei em cacos de vidro, a neblina era densa, parecia-me que havia começado outro país no passado.
Captei um eco entre montanhas e havia verdes, animais que carregam sinos barulhentos nos pescoços e velas em meus dedos.
Ecos, os doze trabalhos eram entre sombras e astúcias, não poderia: só conhecia canto bruto.
Havia um fogo no pós-inverno que a neblina mostrava aos cacos ensanguentados. 
Os caminhos eram de início cinco, pedia que lembrassem de mim, que não escondessem de meu nome.
Meu olhar perseguia neblina, minha voz possui o encaminhamento que guarda tempo para os enfermos e para países novos.
O ar entre meus pulmões era neblina, meu nome era neblina, meus olhos opacos, é tempo de parar.
Não se esqueça de mim, animais carregam os sinos e minhas pálpebras bovinas e barulhentas entre as costelas.
As velas entre meus dedos escorregaram e sou grata por migalhas e por aquilo que não houve.
As velas entre meus dedos são pelos mortos em valas e covas rasas e por tudo aquilo que não houve.
As velas entre meus dedos são pelos acordes mendicantes das ordens antigas e dos países do passado.
Por migalhas e por tudo aquilo que não houve, eu agradeço, ajoelhada em cacos de sangue e vidro.
Por migalhas e  por neblina, agradeço cada letra que derramou nas valas comuns de mortos.
Sou grata pelas migalhas e pelos caminhos de neblina, onde há trabalhos de astúcia, corisco e trilhas bovinas.
Por migalhas eu corri, eu agradeço, carrego os enfermos entre as pernas, feito animal que carrega sino barulhento no pescoço.
Eu agradeço pela neblina, pelas migalhas e assim o ar cativou gelo em vidraça morta.
Pelas migalhas, eu humildemente agradeço:
Há compaixão em meu olhar bovino, guarde isso para os enfermos dos países passados.


terça-feira, 21 de junho de 2016

Cansaço

                                    A Carlos Drummond de Andrade

Veste a lavra de febre do José nos lábios, como se um tanto de terra escura fosse em noite de gula.

A noite esfriou num galope que é sem nome, sem gemido, sem valsa vienense, sem cansaço, sem morte.
Ninguém toca teus olhos em marcha que são sem mulher, sem teogonia, Minas não há mais.
Minas não há mais, seu instante de vidro, sem o carinho, sem o instante, sem a biblioteca, sem a lavra de ouro, sem o instante de cansaço.
Espere o sorriso do velho pai de barba espessa pela nicotina entranhada nas fendas dos ossos e do coração.
Já não pode fumar, teus últimos tragos foram entre meus dedos confusos, José, tudo fugiu, tudo mofou.
Já não pode cuspir, o dia não veio, tua calamidade chovia e arrastava ternos encostados em varais de jejum e gula.
Segure teu ódio antes que a noite cegue os olhos até dos mais moços, apenas acesos em lampejos de coriscos, fósforos riscados e facas escarnadoras de carne animal, de carne humana.
Agora não há o protesto, os versos, o mar, está sem discurso, em meio ao frio da noite que veio no grito mudo.
Tome a chave na mão, sem digna alma como companheiro de jornada, você marca o caminho do bonde que não possui trilhos.
Galope em trote bravio, em fuga de doce palavra, noite adentro, a metro, ao claustro dos olhos fechados pela escuridão do grito de bicho do mato.
Lavra teu instante de mar, sem parede nua para se marchar, seco, montanhoso, como a barba velha e amarelada do velho pai.

quinta-feira, 9 de junho de 2016

Havia um lar repleto de beleza II

Enquanto corria pelo teu jardim de luzes azuladas e simples, percebi vozes, pensamentos oraculares, cabelos raros e lentos, pois o sonho é furtivo nos campos de trigo.
Meu corpo poderia se sentir em casa na suave e na beleza noturna dos pássaros que fazem caminho em troncos de árvores.
Não posso conter a leveza que perambula em elemento de matéria ar, de pouco fogo, que anoitece quando fecho pálpebras.
Fecho minhas pálpebras com os teus dedos suaves de beleza noturna, amanhecer divino, pés descalços em simples chão de terra.
O cansaço apanhou meu pés que levitavam um tanto acima do chão, lembrando que o céu era inadequado e que a Terra era perigo constante de constrangimentos e de guerras.
Viajei em oráculo violáceo de mistérios do ar, pois a leveza carregava um sono prudente, lento, constante, de olhos de cor de lençol antigo, porém limpo, estendido sobre a cama simples e prudente.
Temo em mim o caos das guerras, das tristezas que deitam corpos nos chãos, que vertem ampulhetas, que escorregam sobre lençóis em meu corpo de pouco fogo, tenho poucas vísceras na beleza noturna.
Fecho as línguas que pássaros possuem sobre as vestes de antigas bruxas.
Penumbravam minhas pálpebras fechadas por teus dedos finos, oraculares, violáceos, a atenta melancolia.
Os uivos noturnos perseguiam meus pés que caminhavam na terra úmida que não se poderia enxergar nas trilhas da noite, no vento frio, na montanha vertiginosa a muitos metros, no sono perdido em entardecer de pássaros.
Chamei teu nome, mas não havia luz, pegou minha mão com teus dedos leves e oraculares de terra e ar, levitando por sobre teu ombro, reencontrei o sonho furtivo nos campos de trigo. 
Não se esqueça de nomes mencionados, de melancolias suaves na beleza da fria lembrança de constrangimentos simples, melancolias de pouco fogo.
Teu nome é o lar repleto de beleza, de melancolia, de pássaros simples, de árvores oraculares em troncos de corpos.
Te chamo violáceo, inalterado, inacabado corpo em metástase, como um lençol estendido sobre a noite invadida por lua fina.
Temo carregar esse oráculo que pegou minha mão com teus dedos leves de terra e ar, em constante perigo de amanhecer divino e assombroso, a atenta melancolia.

quarta-feira, 8 de junho de 2016

Havia um lar repleto de beleza

O medo era escarlate e pintava minhas unhas castigadas.
Havia meio de pronunciar teu nome sem receio de verdade, sem receio de pudor.
Havia uma penumbra escarlate que emudecia meu lábio inferior de tinta escura.
Sangue menstrual escorria por meus dedos em dia frio de carne de açougue.
Havia o natural de ser violada, violentada, conspurcada sempre, sempre e mais de uma vez.
Havia o debater violento dos dentes em sonhos de medo e de vórtice, tinha nota conhecida, dentes quebrados.
Sangue instrumental calava meus lábios em forma de escarlate e púrpura doentia, carcomia as nervuras cerebrais.
Eu pensava que havia cada vez menos unhas e nervos, cores inferiores às tinturas menstruais.
A noite corre selvagem como uma tintura na penumbra e nos escombros das curvas ancestrais do uivo sanguíneo.
Criações pesadas carcomem parte da estrutura óssea de meus ombros e de minhas unhas castigadas.
Não havia mais pétalas, lares, selvageria, beleza, dentes, sonhos de medo e de vórtice, tinha carne fria de açougue.
Calei meus ancestrais, quebrei os dentes, devorei unhas e nervuras cerebrais, cimentei tudo com medicações instrumentais e sangue menstrual em flor.
A flor escarlate emudecia meus olhos de medo e calava meu debater muscular violento, revirado, transverso.
Havia um lar repleto de flores menstruais onde guardei minhas unhas escarlates e teu nome feito derivado do vento, feito construção de terra.
A noite corre salvagem, conforme ditam os argumentos do vórtice e da beleza doentia, conspurcada sem nome, pelo meu lábio inferior.
Sabia da interação medicamentosa que poderia misturar junto ao teu nome, ao meu vórtice e ao meu sangue menstrual, pois a noite corre escarlate, selvagem, na beleza das nervuras e dos uivos.
O medo era púrpura e conforme ditam os argumentos do vórtice, quebrei meus dentes nas pétalas sanguíneas.
Havia meio de calar o natural de ser violada que emudecia meu lábio inferior de uivo sanguíneo.
Havia os ecos de pétalas, lares, vórtices, medos, nervos, unhas devoradas, debater muscular violento e interação medicamentosa.
Havia um lar repleto de beleza, flores, lábios silenciados em uivos, prenhes agonias, violento, transverso, revirado.

sexta-feira, 3 de junho de 2016

Sobrancelhas

Esbugalha milho em pés terrenos.
Pés grossos, densos tortos dedos sujos.
Entre terra calcam meus canhestros pés sujos
Cansa, canta, cala, meu dia esbugalha feito vento na carne da luta que não tem terra.
Cata e esbugalha à assustadora névoa que perambula como um tropeço no teu soluço.
Cansa, os pés assustados que admiram tuas grossas e escuras sobrancelhas por cima de óculos grossos.
Terra, meus gritos umedecidos, teus olhos um pouco emudecidos, meus pés angustiados.
Minha saliva entope minhas cordas vocais que buscam um sinônimo bonito para tuas sobrancelhas.
A terra é mais fria que teus dedos que mesclam caminhos entre meus pés.
O trajeto da terra até os dedos dos pés é lento, doloroso, vacante, detém vozes silenciadas.
A vulgar estranheza de uma manhã de nuvens acinzentadas por chuva que precede ato que corta silente tropeço, silente soluço.
Começo a terminar a safra do inferno, de garganta arregaçada na terra que rasga dignidade.
Mistura terra, pés, sujeira, deidade por cima de tuas sobrancelhas que só digo que são bonitas, pois a angústia não permite adjetivos muitos.
Carros, terras, testamentos, óculos, terras, sobrancelhas erguidas, pedra, janela, parede de concreto.
Terras, poluição, alimentar a grossa vadiagem da minha saliva, minha garganta embrulhada em terra vulgarizada por coisas tolas e inexpressivas.
Tua sobrancelha emoldura minha saliva grossa feito a colheita que esbugalha milho em pés canhestros.

terça-feira, 31 de maio de 2016

Medo Mulher

Nascer mulher é ter fato, construção e procuração de permissão do medo.

Permissão medo que o corpo seja esburacado, invadido, mutilado, abandonado, quebrado, dilacerado, medido, carcomido os olhos, que as mãos se enruguem em pavor e velhice precoce, permissão de ser morta, permissão de ser casulo de puta abandonada, permissão de ter instituição para consolidar o controle fúnebre de tua vagina, saturnino peso sobre o sistema corpo, sobre teu sistema nome, sobre teu atributo de gênero feminino. A carne, a bruxa, a terra, o medonho, é mulher medo.

Que os punhos se ergam em luta solitária, de mulher em queda, de mulher em exílio, de mulher casta silenciada por manto sagrado, por fogueira, por medo do estrangeiro que habita em útero fendido, arrebentado, explorado feito caverna medo mítica, medo mística, medo mausoléu envidraçado.

Que os punhos se ergam e sejam os olhos revirados na terra dos dias, mulher que morde a mordaça, mulher castigada, mulher do feche as pernas e porte-se como deve ser mulher submissa, mulher assombrada, mulher virgem, mas puta na cama, mulher maquiada, montada, salto agulha, mulher sensual, sempre jovem, mulher Lolita, mulher novinha, mulher unhas vermelhas, mas o batom, vulgar essa cor, vadia. A mulher morde a coronha fria do pavor por descuido de existir.

Cale a boca, expurgo teu útero, teu sexo é praça pública, tua saliva, teu sangue, teu suor sempre valem menos, tua carne é pouca para 30 bocas que te carcomem dignidade, pulso, vida, história, futuro, passado, esperanças, medos. A mulher sobreviveu, a mulher teve 30 vezes a vida exumada, espumada entre rochas afiadas pelo medo. Mulher feito cadáver trôpego, feito pacote bêbado. Mulher não é gente não, mulher é elemento traiçoeiro. A mulher pecadora sobreviveu, encheu-se por 30 covas, conspurcada por 30 vermes. Mulher vertigem não viu 30 rostos, 30 rostos de punhal na vagina, útero apodrecido por 30 horrores machos.


Útero doa a via ao caminho da morte, o terror que purifica teu nome, mulher, é divino e feito de sangue. Ergo punhos em luta plena de nomes, em guerra cheia de ódio, mulher medo, minhas unhas perfuram os caminhos de placentas, seios e sorrisos opacos, sem manhã de sol, mulher é criança profanada no mistério dos 30 cacos, mulher é objeto emudecido que carrega o universo entre as pernas, mulher que em hemisférios hemorrágicos perfura a lógica 30 vezes, o demônio possui teu corpo em 30 formas de desalinho, o desafinado medo mulher, o apagado escuro de 30 violações. Mulher de 30 corpos violentos, de 30 nomes que gargalham teu nome, corpo, medo.

domingo, 22 de maio de 2016

Delicadeza

Havia algo de indiferença que nomeava pulsos no canto da minha sala estranha.
Sala branca, pulsos rápidos, vasos em coração de amarga tinta que escura escorria demência.
Era de sabor amargo, oposto ao sal, ao sal e ao corpo, era tangenciado pela língua de viperinas facas.
Sete facas amoladas cortaram meu nome em pulso estrangulado.
Batidas como golpes se atiravam dos céus em vespertino colorido azulado e delicado.
A morte como pelos cantos da sala, um delicado acidente que revira olhos e contorce mãos.
Sete nomes afiavam a língua sob sombras, sob o sal que seca colheitas, sob a delicadeza do demoníaco anoitecer.
Todos anoitecem com pulso, facas, amarga lucidez de estanque golpe surdo.
O verbo tem ossos como mel nos olhos do dia, no cerne do centro amolado, feito golpe afiado.
Quebra estruturas de melancolia demoníaca, arrebenta mares em gestação de meu ventre violáceo, adoecido.
Queima carne polida em versos de sobrancelhas de vertigem e síncopes.
Olhos revirados e luzes que subvertem os ramos de trigo que carrego nos punhos erguidos.
A violência é pureza divina em meu corpo, trigo invertebrado, corpo invertido.
Não há verbo no caminhar descalço de minha virtude sobre os mortos, há beleza feral, selvática
O pesadelo caça os pulsos rápidos em retorno de contos, de casas, de expurgos, de vermes e de ventania antiga.
O vômito precedeu palavra magia e céu azulado, contorce mãos e seca colheitas.
O golpe surdo anoitece e queima com indiferença em minha sala estranha.
Todos os mais de cinquenta pontos cardinais de meus ossos estancaram no cerne de sete facas.

segunda-feira, 16 de maio de 2016

Silêncio

Quando emudeço no galope de ventos que cortam cordas vocais
Estraçalham-se em pedaços de obscura rouquidão e silenciam os espaços entre silabas,
Silenciam-se entre síncopes, entre momentos de lucidez, entre espasmos vocálicos.
Abruptos acidentes consonantes amputaram  minha voz que fraca se diverge da vontade do mar, salgado e amplo.
Estraçalham-me cordas, timbres, tempos, pausas, respirações, sensações dúbias, vertiginosas, a boca. 
Corte horizontal que decepa o vascularizado de uma canção, vozes, vidas de vozes graves em verbos tristonhos. 
Desaprender o encontro entre sílabas e entre verbo,  entre carne e entre ossos, o transe que ocorre mudo e agressivo por detrás de dentes.
Para aprender somente o mutismo que contempla a vaga presa da voz, a selvagem pressa da voz.
Regem minha língua e me cortam os olhos em sangue que escorre através da garganta, garganta sem vocábulo.
Violento corte, abrupto, entre síncopes, Lúcifer e a rouquidão dos abismos, estraçalham-se glândulas e células. 
Haveria grande olhar para contemplar tamanho silêncio de verbo, de corpo, de vastidão de cordas vocais, mutismo, silêncio, degola, falta ainda aquele trinado, falta aquele agudo ainda que foi amputado no agora.
Olhar em vagas pálpebras e longos olhos distantes para um teto branco, pálido, sem voz, sem verbo, sem a presa vasta da voz e seus tônicos timbres diversos. 
Língua sem verbo, trinado sem canto de pássaro, mudez em aguda estranheza para com os destinos, mudeza como noite sem lua prenha, lua vaca, lua fértil.
Quando emudeço no galope de ventos que cortam cordas vocais
Estraçalham-se em pedaços de obscura rouquidão e silenciam os espaços entre silabas,
Silenciam-se entre síncopes, entre momentos de lucidez, entre espasmos vocálicos.
O silêncio decepou o verbo estrangeiro ao dia e emprestou seu espasmódico canto sufocado à noite.

quinta-feira, 5 de maio de 2016

Vertigem

É estranho o entardecer junto às estátuas de pedra
Esverdeados olhos pelo musgo dos dedos em riste.
Triste sombreado que dança no caminhar que pulsa em nota longa pelas árvores.
Pedra que pulsa empobrecendo caules, frutas e cores.
Máquina de triste dedo empunhando punhal, lâmina de sangue.
Azulado chumbo é o céu do entardecer em nossas mãos.
Lento é o céu que pulsa vento nas folhas, como se anunciasse ancestralidade.
Clamam em canto profano teu nome empedernido, lâmina de pedra inventada.
Não se pode mirar a vertigem dos astros em cápsulas de vidro saturnino.
Cápsulas de estrelas em olhos de branca penumbra, possuem anéis que vertem sangue.
A poeira dança na sombra das árvores ancestrais.
Qual passado, presente, futuro que se vê por entre as estátuas de pedra.
Caminhei na vertigem do azulado chumbo que penumbra nossas mãos, assustadas pela lâmina cega.
Árvores, é lento o compasso do triste entardecer, caminhei nas pedras de Saturno.
Traga-me a taça de vidro do silêncio de todos os tempos, Lua de lâmina envelhecida.
Os tempos em cápsulas de trigo, milho, vidro, pedra, vento.
Vertigem, como os pássaros são lentos sob a caminhada das frutas e flores.
Caminhamos, mãos esverdeadas junto ao teu triste olho de musgo.
As estátuas acontecem como líquens no coração de chumbo e de punhal.
Os olhos sorriem em gentil agradecimento pelo silêncio das estátuas, como lâminas cegas.
A coragem se esconde sob os tristes céus do entardecer intoxicado.
Coragem cor de musgo, vertigem, vidro encapsulado, maquinal, lâmina de carapaça.
Máquina, pulso, símbolos invertidos no musgo dos olhos capilares.
Capilar desenho da estátua que tinha um nome de mulher, antiga lâmina de muitas pernas.
Vestido de máquina o anoitecer assumiu o tom da dança lenta, triste.
Estranho entardecer, chumbo em esverdeado punhal, lente de cápsula, vertigem capilar.
Lâmina de sonhos, de penumbra em noite que entardece antes do tempo, saturnino veneno em Lua empobrecida.


sábado, 2 de abril de 2016

A Casa Vazia

Quando você chegava e tocava com teus dedos de tocador de piano minhas vísceras
Era como se meus olhos percorressem por uma casa de onde nunca pertenci,
Mas onde todos os objetos eram tão concretos e de uma cor azul real tão forte, 
intenso, vivo que parecia que nunca em todas coisas e objetos poderia jamais existir a morte.
Era tão suave e pleno, minha saliva revirava levemente por minha garganta e minhas cordas vibravam em tons mais graves, em tons mais sensualmente sutis que compunham algumas luas.
Teu dedilhar por minhas pálpebras era como o contorno de um pescoço que se vira e deixa escapar
a luz do sol em dia de luz clara, direto nos olhos de quem se encontra logo atrás.
Logo após o vagar de teus dedos por aqueles objetos azulados a beleza brotava, 
caminhava, em força silenciosa, em força bruta, bruta igual à beleza, 
igual à beleza que é bruta força no vagar de teus dedos.
Mas havia uma pausa em que levantava os olhos para mim e esboçava um sorriso de terra
que eu pintava em  tantos objetos naquela casa 
que era repleta de dons, de corpos, de cheiros próprios.
O vento trazia o trato e sussurrava que em sua força beleza bruta nada daquilo me pertencia.
Nada de olhos, nada de saliva, nada de pescoço contorcido na delicadeza das unhas 
e dos lábios num dia de luz clara.
Não me pertencia naquela casa repleta de objetos de força e de beleza e de saliva.
Quando eu escutava teu caminhar era como se houvesse uma valsa que rodopiava por sobre os esqueletos da casa de força bruta e de beleza azulada.
A casa vazia e repleta de objetos de força bruta e de beleza matinal a ti te pertenciam.
Eram as flores que traziam os objetos todos para dentro da casa 
com inúmeros quartos, com inúmeras escadas.
As vezes penso que cabem vilarejos e universos inteiros dentro da casa de cor azulada que é força que é beleza e que traz raízes de muitas hortaliças antigas, adubadas com bruta força de tua saliva.
A casa vazia é tua, somente tua. 

sexta-feira, 1 de abril de 2016

A Cidade

A ventania que percorreu a janela do prédio alto em sensação de crime e de chuva era
Como se um corpo tivesse emudecido, atirando-se, sem dó, sem nome, sem mãe.
Havia brisa, névoa, vertigem, vento que entra pela corrente sanguínea e nomeia coisas.
Havia um monte de olhos que desejavam a tua descoberta emudecida, empoeirada nas calçadas.
Havia um ponto sem caminhos, como ponte que volteia em estrada vazia.
O cantar do pássaro agora retinha duas vezes um som trinado de limitada liberdade.
Havia o pássaro em árvore velha e nodosa que estoura a raiz do concreto.
Havia no submundo daquele canto de pássaro uma cidade vasta de cansaço e de fardos sem memória.
Cantei tantas léguas, botas, caminhos de estradas, forasteiros, montanhas e olhos verdes que encontrei no revoar dos dias.
Hoje canto a cidade que emudecida se esqueceu de todos, pois nasceu para o cinzento e para o mais do que breve, cidade que nasceu para a secura dos tempos.
Hoje canto a falta, a lata no chão, o bueiro sem tampa expõe uma fiação elétrica.
Hoje canto carro, canto capote de carro em ponte engarrafada, em buzina alta, crescente, carro de indefinida cor, de marca qualquer, irrigado por álcool ou gasolina.
Hoje escrevo um poema sem pressa e sem anseios, apenas no digitar das palavras, na constância embotada e repetitiva dos dedos.
Hoje há somente o pombo, a barata, o lixo, o verme que devora os restos do lixo, a pulga, o piolho.
Hoje não canto madrigais, não canto jograis, pois que não há luz vespertina que ressoe no coração dos campos de trigo. 
Hoje não há campos, não há cavalos, galinhas, ovos, sonhos, bichos, sorrisos, esperanças.
Hoje há somente alguns carros parados na esquina, pessoas aglomeradas no esquecimentos dos dias, paradas igualmente, olhar vago sob os freios dos ônibus sujos e quentes.

sábado, 5 de março de 2016

Marte em Escorpião

Resgatei com minhas pinças o peso absorto de humores, de víboras, de aracnídeos.
Salivei, cuspi e sangrei em nome de tantas deusas telúricas em meio ao deserto escaldante.
Os caminhos de meus dedos sobre teu cabelo em líquido estado negro.
Cabelos em movimentos de temperamentos , meus dedos feitos de cordas, feitos de aço.
Estilhaços do prazer que contorce nervos e línguas e um gemido quase mudo. 
Gemido baixo feito nota de voz grave com uma cor de alumínio branco.
Gemido envidraçado em minha pupila que dilata ao gozo profundo do sexo.
Meu corpo era liquefeito na camada mais profunda da lama e do musgo sabido de teus lábios.
Meu corpo era deformação e transmutação constante em libélula que revolve poeiras e doenças.
Minhas vestes negras produziam elemento fixo, de silente na loucura, viperina língua em forma diversa.
Minhas vestes negras produziram algo de inominável em cada bater de portas, tantas portas. 
Caminhos de artrópode. Visitemos o inferno. 
Possuímos muitas pernas, temos presas em cascas de árvores penduradas.
Me dê teus dedos duros feito aço e meu caos te fará guarda de meu prazer.
Portas, tantas, tamanhas, translúcidas. Basta entrar, estão abertas desde o despertar de nosso tempos.
Eu sobrevivi às vertigens feito palpitar em boca seca e olhos de pavor.
Eu sobrevivi à centenas e centenas e centenas de guerras e meus olhos permanecem em mudez vítrea.
Eu sobrevivi às tempestades dos imensos e grandiosos e gélidos desertos em minha carapaça de alacrau.
Eu sobrevivi e fiz do caos a minha morada noturna.
Scorpionis, scorpionis, scorpionis.

segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

Sete vezes um nome semelhante ao teu

O cosmos espelhado em meus sete dedos vitrificou o universo giratório num estalar de língua.
Seu movimento paralisou sete estrelas em tumultos de nomes, cores e carbono.
A vida seguiu um movimento excepcional que permitia aos sete seres abissais romperem barreiras de sons e de nomes antigos.
A vida pulsava em caminhos de nebulosas como se amigos de meus sete olhos fossem as estrelas da bruxa da casa número sete. 
Sete vezes sete sob sete vezes o número de meu sangue mais sagrado, pulsei os olhos em sete vidas distantes, com sete gatos, gatos de sete cores. Gatos de sete casas distintas. Gatos das sete ilhas dos sete pontos do meu corpo. Sete covas, sete corpos, sete mortes, sete direções.
O grito expandiu mais galáxias quando cantarolei meu poder com teus sete nomes igualmente mágicos.
Sete vezes os caminhos chegaram ao vítreo das pupilas dos sete gatos mencionados.
Constelações possuíam o dom de exterminar com sistemas complexos as máquinas sonhadas pelos sete meninos de minhas sete casas.
Os sons expelidos pelo sopro quente de sete flautas em danças de animais de cascos com cabeças de sete homens miravam os sete mares em melancolia profunda.
Sete homens miravam os sete gatos com um suspiro digno das galáxias profundas dos corações de carbono.
Não havia como evitar a mirada de sete homens sobre sete caminhos e meus dedos vitrificaram o universo giratório de teu nome antigo.
Disseram-me ao pé do ouvido que havia sete campos de trigo, sete pilhas de feno, sete colmeias de abelhas a seguir com os pés envoltos em sagrada lama.
Ditaram regras que sete corpos haviam deixado criar numa noite as sete luas cheias. 
As sete luas cheias puderam ser observadas a olho nu. 
E as sete luas tinham um nome aproximado e de semelhança ao teu.



sábado, 27 de fevereiro de 2016

Matéria Circular

A aurora ofuscou o céu e mascarou as pupilas da criança e do demônio.
Na penumbra das sombras que formam teu corpo magro, esguio, negro, penumbra, corpo negro.
O que a palavra me deu foi língua extinta, chumbo em carne, vidas e silenciosos espasmos.
Silenciosos vasos percorreram as salas visitadas, meio pálidas pelo branco da lateral de teus olhos.
Eram escuros, repletos de grito dissonante e etéreo na vaga memória que possuo da morte.
Talvez um pertence ou objeto qualquer revolvesse matéria de sonhos, lágrimas e de caminhos estrangeiros.
Eles levaram aquilo que possuo entre os dedos, uma penumbra maligna que tomava conta das falanges e dos ossos das mãos.
Não possuía nome, apenas sombra do extinto que era ainda ainda inominado, mas pertencia ao dono das muitas faces.
Ossos, muitos nomes, pouco conhecidos, caminhos estrangeiros, pintadas por uma negra penumbra.
Em tons de grafite, algo de silencioso invadiu minha língua e pertenceu ao passado.
Caminhei entre aqueles que possuem um certo metal nos dentes, aqueles que desaprenderam a língua dos Homens.
Não possuíam caminhos do passado e das penumbras que circulam entre fumaças com cheiro de ossos e vidas.
A terra estava repleta por matéria de esverdeada coloração, como fumaça densa de chaminé da casa ao lado.
Nunca soube o nome daquele vizinho, nunca consegui enxergar a lateral branca do que consome os ossos.
A aurora ofuscou o cinza de meu grito ainda inominado na penumbra maligna de sonhos, lágrimas e dentes.
Os deuses percorreram as salas invisitadas por qualquer objeto ou pertence de caminhos estrangeiros, nomes negros.
A penumbra correu junto à criança de corpo de demônio, esguio, ainda inominada, lágrimas silenciosas.
Eram escuros, repletos de grafite, e invadiu os Homens na vaga memória que tomava conta dos ossos e dos muitos nomes do etéreo. 
Nunca soube o nome daquele enxergar lateral de coloração esverdeada e que tomava conta das falanges e dos ossos dos pés.
A criança ofuscou o demônio e mascarou as pupilas do céu.

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

Planetária

Descobri num fragmento de Tempo que estilhaçou vinganças e vidraças minhas em terras áridas estava eu ainda aqui, ali, feito matéria dos contornos das veias e das pálpebras flutuantes de som.
Som do ar que repleto de fósforo e outras químicas estranhas e com algo de hidrogênio estava meu desejo feito epígrafe em pés, pratos e costuras de roupas.
Escavei por caminhos estranhos de sulfato, tudo era somente pele de tuas covas e túmulos esverdeados em peito de cálcio.
Mas havia ainda um doce céu espelhado e aberto e meus dois olhos que possuíam um tom de Saturno, da Lua e de Vênus.
Combinação esplêndida à melancolia que permeia minhas unhas, dedos e escrivaninhas, meu nome, meu nódulos, minha faca de gume afiado.
Há um suspenso grito expelido numa viagem ao mundo espiralado de alguns deuses antigos, não quero citar nome, meu nome, meus dedos, minhas unhas, minha faca de gume afiado.
Descobri um doce caminho de chumbo que estilhaçou meus olhos em vinganças e vidraças minhas em terras áridas estava eu ainda aqui.
Presente como se chuva fosse meu caminho de pedrosa e amuralhada alma de cantos prosaicos e estremecidos na sombra cinzenta de teu sonho.
Tudo era sonho em absoluto, mesmo sob os dedos repletos de chumbo, covas, matéria de pratos, pés, costuras de roupas.
Esperei e aguardei pelo segundo movimento, tão estranho a minha terra natal e a minha língua materna. Tangenciei pelo contorno de teus olhos vinganças e vidraças.
Espremi um suspenso grito expelido pelo fósforo flutuantes de som e de hidrogênio.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

Passagem

Tenho por medo a perda das coisas que me arrependo depois.
Tenho por medo livros e livros que deixei passar, sem olhar a rota das nuvens antes.
Deixei roupas, corpos, vinhos, sapatos diversos e mais e mais livros dos quais não me recordo nenhum nome.
Deixei tantos anos e cores cardinais se frustrarem por baixo de minhas pálpebras
Que penso que o tempo irá borrar a vista turva por passeios em parques melancólicos de mim.
As doces memórias de uma nuvem borrada de chão estão retidas na retina dos tempos, dos tempos, dos tempos.
Estão retidas nos termos de uma música de outro pão, de outro papel, de outro amor.
Contém astros, verbos, presas castas, minerais ainda indecifrados pelos gestos.
Contém toda a brisa de um suave olhar esverdeado como sombra da árvore musgo sobre a terra batida.
Contém amanhecer alaranjado no qual retive em círculos concêntricos de frutas e flores o sorriso do teu nome.
As lembranças de um sorriso ígneo e forte, sincopado como letra de ventania que escreveu meu nome na tua delicada pureza.
As lembranças ígneas decifraram o meu nome na poeira das nuvens que contém brisas, astros e terra.
As mães de anos e cores mutáveis nomearam as mãos de outrora e represaram o medo  das coisas que me arrependo depois.
A vida é larga, vasta, casta presa de poder forte e ígneo, muralha de tempos, muralha de musgo verde sobre a sombra da terra.
Arrependo-me de mencionar nomes, memórias, tantas imagens que retive por debaixo de cílios, lágrimas, glândulas, retina, pupilas, vastas, presas castas.
Calei perante aquela presença repleta de mutáveis tempos e astros, pois o suave olhar esverdeado permaneceu sem olhar livros e livros que tenho por medo e deixei passar.
Os melancólicos pesares fixos de meu peito permanecem em sincopado chão, em doces memórias que fustigam as formas amplas de meus nomes.
Há exata virtude no silêncio cativo e manifesto que suspende nuvens e astros sob meus dedos.
As partes doces das lembranças ígneas estão retidas na retina dos tempos, dos tempos, dos tempos.
Tenho por medo a perda das coisas que me arrependo depois.
Tenho por medo livros e livros que deixei passar, sem olhar a rota das nuvens antes.

domingo, 24 de janeiro de 2016

Madrigal Vespertino II

Nasci porque sou o poder das alquimias dos verbos.
Nasci para dançar sobre as tuas pegadas de sangue.
Nasci para roubar as medalhas sob a forma de morte que habitam teu peito.
Nasci para escalar sete pedras, sete rumos de imortalidade cantam meus nomes.
Nasci para beber de teu sangue, para esfregá-lo com violência em meu rosto, mãos e ventre.
Nasci para portar língua demoníaca e cheia de signos, repleta de símbolos.
Nasci para no renascer do místico e do indizível dançar sobre teus ossos antigos.
Nasci para na escuridão dos olhos, mirar e enxergar vista distante.
Nasci para percorrer teu corpo com minha saliva ácida.
Nasci para portar a estranheza e a excentricidade.
Nasci para que meu lábios percorram fundo o teu coração de verme.
Nasci para beber das águas do esgoto profundo e transmutá-las em tantas almas e olhos de animais.
Nasci para doar a morte, doar a vida, doar minhas vísceras, para que tome minha verdade em teus dias.
Nasci para ser filha da noite sagrada em sua plenitude de múltiplas sexualidades.
Nasci para que em minhas mãos haja todos os líquidos quentes e aqueles que transbordam de tua genital.
Nasci para que haja a tempestade e para que meus pés tragam o caos para o teu coração.
Nasci para ter nome de divindade, para ser sagrada, venerada em seu ultraje profano.
Nasci para vagar por caminhos, encruzilhadas, estradas, terreiros.
Nasci para não ter mães, para não ter pais, para não ter passados.
Nasci um tanto morta para esse mundo.
Nasci para tardiamente relembrar daquilo que vivi noutros corpos.
Nasci para beber de teus tabus e vomitá-los em teu rosto.
Nasci para crescer, morrer, renascer, parir-me tantas e tantas vezes.
Nasci para a loucura, para os perdidos.
Nasci para perseguir a castidade do cio.
Nasci para aqueles que podem me enxergar porque assim eu permiti.
Nasci para permitir e para negar.
Nasci para doar a estranheza e renascer.
Nasci um tanto para ser filha da noite na escuridão dos olhos.
Nasci para doar minhas vísceras das águas do esgoto profundo e transmutá-las.
Nasci para dançar sobre rumos de imortalidade que vivi noutros corpos.
Nasci para que haja a plenitude de suas múltiplas castidades.
Nasci para permitir o cio para a loucura.
Nasci para doar a vida em encruzilhadas e parir-me tantas e tantas vezes.
Nasci para portar signos de líquidos de divindade e para portar língua demoníaca.
Nasci porque possuo o ser, possuo o ter, possuo o desvendar e possuo o Poder.

sexta-feira, 15 de janeiro de 2016

Copo Emborcado

Parece-me que no momento eterno e vasto anterior ao passado,
Aquele momento de dia de chuva em céu cinzento,
Aquele momento em se tentava calar a dor em céu dormente,
Aquele momento anterior à fuga do medo,
Exatamente era ali que se encontrava a perdição.
A perdição da mentira se encontrava emborcada num copo sobre a mesa.
A perversidade do momento anterior ao passado se dava em lapso surdo.
Nunca acompanharemos o caminho, o Destino, a luz que afugenta a alegria dos olhos.
O caminhar do gato em telhado antigo, sozinho, molhado, escorregadio, água de poço.
O fundo lodoso das mãos secas, os campos de trigo não cultivados, as alamedas em descaminhos.
Parece-me que quando o grito se torna alto, ele se torna surdo.
Parece-me que o desespero da noite, do copo emborcado, do sorriso estranho,
estão aprisionados no instante que precede o passado e o medo.
O engano de si próprio, a perda de si próprio, num copo emborcado contra o tempo.
Parece-me fustigado pelo terror, pelo solilóquio, por um sol demasiado acanhado.
Parece-me um humano incompleto, sem braço, com seu copo emborcado sobre o tempo,
Parece-me que estava antes do passado e do silêncio com alguma espécie de vinho tinto, denso, acalentador, de um tom magenta silencioso e vítreo.
Parece-me que o copo emborcado no passado de teus dedos e dias esperou a alucinação em estado sóbrio.
Esperou a alucinação em estado sóbrio e líquido, queimou marés, afagou rostos no poço lodoso do passado nos dedos.
Parece-me que aquele que indicava um céu cinzento estava anterior ao passado.
Exatamente era ali que o caminhar do gato não estava cultivado.
A perversidade do engano de si próprio tentava o desespero da noite, por um sol demasiado denso, tinto, acalentador, de um tom magenta silencioso e vítreo. 
Parece-me que telhado antigo se tentava vasto e eterno em lapso surdo.
Nunca acompanharemos o caminho, o Destino, a luz que afugenta a alegria dos olhos.

domingo, 10 de janeiro de 2016

Lunação do Tempo

Desde tempos imemoriais, fui abraçada pelo caos, seu rodopiar centrípeto me refazia em gelo e pavor. Eu nunca estremecia de olhos cerrados. Pois tudo era de mistério repleto e de miséria e cantos de mortos. Minha vagina, meu útero, meus seios eram matéria viva, em decomposição, sem estrutura, todo o meu corpo esteve por séculos sem lar.
Seu horror silenciosamente destrutivo, mudo, quase abominável, me arrastou por mares, oceanos, me prendeu entre o fim e o início de um fragmento de tempo, de uma rocha, de uma estrela, de uma paixão inominável, fustigou minhas mãos estrangeiras e solitárias em meio ao lodo da loucura em flor.
Sempre enxerguei a alma humana em profundidade e, vê-la, assim tão despida e sem tabus, repleta de medos e potências, me tornou ainda mais muda em minha solitude sigilosa de esquadrinhadora de corações e mentes. Eu sempre fui perigosa, precisava ser silenciada, presa, amordaçada. Mas a mirada sobre os tabus assumiu a vitalidade de minha história e meu olhar se transformou em fera. E a fera corrupia em gargalhadas noturnas, pois a ferocidade de meu peito cavalga em trote veloz sobre os corpos dos carrascos do passado.
Basta mirar dentro de minhas sombras de fumaça negra que se pode encontrar o Outro por completo, a outra face, a face que carregamos nas costas, em sua frágil e tênue linha humana, se debatendo entre a pretensa arrogância de quem deseja, de quem necessita sobreviver com pobres e derrotadas máscaras. As máscaras são mais amplas, vastas, argutas e soberanas e isso também descobri neste mistério.
Eu vi muito, cavei poços obscuros, morri de sede, de calor, de frio e estive à beira da loucura e abracei o caos. A dor permanece, mas eu não permaneço, pois sou partícula indizível do horror da visão, da experiência e carrego a morte como pequena criança adormecida nos braços, como palavra que de sutil abrupto atravessa a língua e estanca na memória dos lábios.
Desde tempos imemoriais, abraço o caos, seu rodopiar centrípeto me refaz em gelo e pavor. Eu nunca estremecia de olhos cerrados. Pois tudo era de mistério repleto e de miséria e cantos de mortos. Minha vagina, meu útero, meus seios são matéria viva, em decomposição, sem estrutura, todo o meu corpo está por séculos sem lar.
Agora detenho de fragmentos de diversos segredos sob o medusiano olhar que sobreviveu e cada vez mais pode enxerga-los. Mirada que os disseca em teu torpor, em tua luta, em tua mesquinha frieza, em tua ironia tímida, insegura e passional, em tua violência brutal e primitiva. Detenho o pó das estrelas em meu sangue, assim como você. Mas também detenho um antigo demônio do Tempo e dos portões da desgraça e dos Destinos como nome. E ele agora está em meus olhos cor de terra, comandando navios, lunações, almas e mães.

Desde tempos imemoriais, serei abraçada pelo caos, seu rodopiar centrípeto irá refazer-me em gelo e pavor. Eu nunca estremecerei de olhos cerrados. Pois tudo será de mistério repleto e de miséria e cantos de mortos. Minha vagina, meu útero, meus seios serão matéria viva, em decomposição, sem estrutura, todo o meu corpo estará por séculos sem lar.