domingo, 27 de novembro de 2016

Sorriso em mais de 30 atos

Tua maquiagem forte, borrada, feita de misturas diversas, entre cafés, em torno de teus olhos sombrios,
Aludiam aos sábados de aleluia que um dia permaneceram entre minhas tempestades cativas de memórias e de sinos, havia uma igreja antiga na esquina, os sinos sempre ao meio dia e às dezoito horas.
Sentia o cheiro de tuas fugas, sempre presentes num sorriso lento, moderado, numa ruga que se formava acidentalmente na lateral dos lábios com mais de trinta anos.
Aquilo era tristeza e verbo mudo em cima da mesa de madeira maciça, onde costumava jogar com displicência teus casacos e cotovelos, eu adorava o singular de teus dez dedos longos, ágeis e frios.
Não poderia guardar essa beleza que era constantemente arrebatadora e obsessiva entre meus dentes, precisava colocá-la na ponta dos dedos todos, precisava das pontas dos pés dos outros que eram mais altos, precisava estar no meio de alguma das múltiplas e espantadas línguas de Deus, num allegro molto appassionato.
Teus dentes eram sempre encobertos por nuvens que transitavam entre um estado de humor e outro, eu nunca conseguia decifrar qual seria o próximo movimento, mas tinha um sabor suave de café e de algum cigarro fino, daqueles importados, disso eu entendia um pouco e te adorava por isso.
Teus olhos guardavam a nostalgia daqueles que tentaram e não conseguiram, mas você pelo visto tinha conseguido tanta coisa sem nunca haver tentado quase que mesmo nada, apesar de teu silêncio tão inteligente que emudecia a gente, cativo, era uma espécie de planeta da comunicação em combustão, uma constelação tardia, um verso meio apagado da memória, era peça pertencente ao meu rosto, aquele teu sorriso vincado que tanto eu adorava, mesmo nas noites mais áridas e vazias.
Teu corpo esguio chegara em plena luz do dia e eu não soube como carregar no colo o tamanho dos teus olhos noturnos, quase me peguei rumando para outros apartamentos isolados na busca incessante de fugir da luminosidade de tuas luas refinadas, de teu olhar que mais se parecia com um sabor suave de café.
A madeira maciça que contornava nossos corpos em dimensões arrebatadoras teve nos dedos todos o nosso encontro, borrado, forte, feito de misturas diversas, feito de teu maxilar quadrado, cheio de revoltas, lábios firmes na seriedade das semanas que se seguiam.
Teu transbordamento era calculado como a marca de café que havia na tua caneca matinal, o meu era quase sempre fervido na água amarelada da tubulação envelhecida do prédio outro, eu me sentia muito só sem teu silêncio cativo. 
Teu silêncio era um pequeno prazer que escutava atenta e de olhos fechados, com a ponta dos dedos um pouco rígidos, um pouco cansada de analisar os possíveis fundamentos da trégua e de não compreender que o tímido e vincado sorriso era toda a explicação que precisaria para estes dias mudos e rotos. 
Pedi um café suave, já não fumo mais, mas ainda pedi uma constelação tardia e pedi uma peça da minha memória. Creio eu que me bastaria, até o meio dia, até reencontrá-la.