terça-feira, 21 de junho de 2016

Cansaço

                                    A Carlos Drummond de Andrade

Veste a lavra de febre do José nos lábios, como se um tanto de terra escura fosse em noite de gula.

A noite esfriou num galope que é sem nome, sem gemido, sem valsa vienense, sem cansaço, sem morte.
Ninguém toca teus olhos em marcha que são sem mulher, sem teogonia, Minas não há mais.
Minas não há mais, seu instante de vidro, sem o carinho, sem o instante, sem a biblioteca, sem a lavra de ouro, sem o instante de cansaço.
Espere o sorriso do velho pai de barba espessa pela nicotina entranhada nas fendas dos ossos e do coração.
Já não pode fumar, teus últimos tragos foram entre meus dedos confusos, José, tudo fugiu, tudo mofou.
Já não pode cuspir, o dia não veio, tua calamidade chovia e arrastava ternos encostados em varais de jejum e gula.
Segure teu ódio antes que a noite cegue os olhos até dos mais moços, apenas acesos em lampejos de coriscos, fósforos riscados e facas escarnadoras de carne animal, de carne humana.
Agora não há o protesto, os versos, o mar, está sem discurso, em meio ao frio da noite que veio no grito mudo.
Tome a chave na mão, sem digna alma como companheiro de jornada, você marca o caminho do bonde que não possui trilhos.
Galope em trote bravio, em fuga de doce palavra, noite adentro, a metro, ao claustro dos olhos fechados pela escuridão do grito de bicho do mato.
Lavra teu instante de mar, sem parede nua para se marchar, seco, montanhoso, como a barba velha e amarelada do velho pai.

quinta-feira, 9 de junho de 2016

Havia um lar repleto de beleza II

Enquanto corria pelo teu jardim de luzes azuladas e simples, percebi vozes, pensamentos oraculares, cabelos raros e lentos, pois o sonho é furtivo nos campos de trigo.
Meu corpo poderia se sentir em casa na suave e na beleza noturna dos pássaros que fazem caminho em troncos de árvores.
Não posso conter a leveza que perambula em elemento de matéria ar, de pouco fogo, que anoitece quando fecho pálpebras.
Fecho minhas pálpebras com os teus dedos suaves de beleza noturna, amanhecer divino, pés descalços em simples chão de terra.
O cansaço apanhou meu pés que levitavam um tanto acima do chão, lembrando que o céu era inadequado e que a Terra era perigo constante de constrangimentos e de guerras.
Viajei em oráculo violáceo de mistérios do ar, pois a leveza carregava um sono prudente, lento, constante, de olhos de cor de lençol antigo, porém limpo, estendido sobre a cama simples e prudente.
Temo em mim o caos das guerras, das tristezas que deitam corpos nos chãos, que vertem ampulhetas, que escorregam sobre lençóis em meu corpo de pouco fogo, tenho poucas vísceras na beleza noturna.
Fecho as línguas que pássaros possuem sobre as vestes de antigas bruxas.
Penumbravam minhas pálpebras fechadas por teus dedos finos, oraculares, violáceos, a atenta melancolia.
Os uivos noturnos perseguiam meus pés que caminhavam na terra úmida que não se poderia enxergar nas trilhas da noite, no vento frio, na montanha vertiginosa a muitos metros, no sono perdido em entardecer de pássaros.
Chamei teu nome, mas não havia luz, pegou minha mão com teus dedos leves e oraculares de terra e ar, levitando por sobre teu ombro, reencontrei o sonho furtivo nos campos de trigo. 
Não se esqueça de nomes mencionados, de melancolias suaves na beleza da fria lembrança de constrangimentos simples, melancolias de pouco fogo.
Teu nome é o lar repleto de beleza, de melancolia, de pássaros simples, de árvores oraculares em troncos de corpos.
Te chamo violáceo, inalterado, inacabado corpo em metástase, como um lençol estendido sobre a noite invadida por lua fina.
Temo carregar esse oráculo que pegou minha mão com teus dedos leves de terra e ar, em constante perigo de amanhecer divino e assombroso, a atenta melancolia.

quarta-feira, 8 de junho de 2016

Havia um lar repleto de beleza

O medo era escarlate e pintava minhas unhas castigadas.
Havia meio de pronunciar teu nome sem receio de verdade, sem receio de pudor.
Havia uma penumbra escarlate que emudecia meu lábio inferior de tinta escura.
Sangue menstrual escorria por meus dedos em dia frio de carne de açougue.
Havia o natural de ser violada, violentada, conspurcada sempre, sempre e mais de uma vez.
Havia o debater violento dos dentes em sonhos de medo e de vórtice, tinha nota conhecida, dentes quebrados.
Sangue instrumental calava meus lábios em forma de escarlate e púrpura doentia, carcomia as nervuras cerebrais.
Eu pensava que havia cada vez menos unhas e nervos, cores inferiores às tinturas menstruais.
A noite corre selvagem como uma tintura na penumbra e nos escombros das curvas ancestrais do uivo sanguíneo.
Criações pesadas carcomem parte da estrutura óssea de meus ombros e de minhas unhas castigadas.
Não havia mais pétalas, lares, selvageria, beleza, dentes, sonhos de medo e de vórtice, tinha carne fria de açougue.
Calei meus ancestrais, quebrei os dentes, devorei unhas e nervuras cerebrais, cimentei tudo com medicações instrumentais e sangue menstrual em flor.
A flor escarlate emudecia meus olhos de medo e calava meu debater muscular violento, revirado, transverso.
Havia um lar repleto de flores menstruais onde guardei minhas unhas escarlates e teu nome feito derivado do vento, feito construção de terra.
A noite corre salvagem, conforme ditam os argumentos do vórtice e da beleza doentia, conspurcada sem nome, pelo meu lábio inferior.
Sabia da interação medicamentosa que poderia misturar junto ao teu nome, ao meu vórtice e ao meu sangue menstrual, pois a noite corre escarlate, selvagem, na beleza das nervuras e dos uivos.
O medo era púrpura e conforme ditam os argumentos do vórtice, quebrei meus dentes nas pétalas sanguíneas.
Havia meio de calar o natural de ser violada que emudecia meu lábio inferior de uivo sanguíneo.
Havia os ecos de pétalas, lares, vórtices, medos, nervos, unhas devoradas, debater muscular violento e interação medicamentosa.
Havia um lar repleto de beleza, flores, lábios silenciados em uivos, prenhes agonias, violento, transverso, revirado.

sexta-feira, 3 de junho de 2016

Sobrancelhas

Esbugalha milho em pés terrenos.
Pés grossos, densos tortos dedos sujos.
Entre terra calcam meus canhestros pés sujos
Cansa, canta, cala, meu dia esbugalha feito vento na carne da luta que não tem terra.
Cata e esbugalha à assustadora névoa que perambula como um tropeço no teu soluço.
Cansa, os pés assustados que admiram tuas grossas e escuras sobrancelhas por cima de óculos grossos.
Terra, meus gritos umedecidos, teus olhos um pouco emudecidos, meus pés angustiados.
Minha saliva entope minhas cordas vocais que buscam um sinônimo bonito para tuas sobrancelhas.
A terra é mais fria que teus dedos que mesclam caminhos entre meus pés.
O trajeto da terra até os dedos dos pés é lento, doloroso, vacante, detém vozes silenciadas.
A vulgar estranheza de uma manhã de nuvens acinzentadas por chuva que precede ato que corta silente tropeço, silente soluço.
Começo a terminar a safra do inferno, de garganta arregaçada na terra que rasga dignidade.
Mistura terra, pés, sujeira, deidade por cima de tuas sobrancelhas que só digo que são bonitas, pois a angústia não permite adjetivos muitos.
Carros, terras, testamentos, óculos, terras, sobrancelhas erguidas, pedra, janela, parede de concreto.
Terras, poluição, alimentar a grossa vadiagem da minha saliva, minha garganta embrulhada em terra vulgarizada por coisas tolas e inexpressivas.
Tua sobrancelha emoldura minha saliva grossa feito a colheita que esbugalha milho em pés canhestros.