terça-feira, 31 de maio de 2016

Medo Mulher

Nascer mulher é ter fato, construção e procuração de permissão do medo.

Permissão medo que o corpo seja esburacado, invadido, mutilado, abandonado, quebrado, dilacerado, medido, carcomido os olhos, que as mãos se enruguem em pavor e velhice precoce, permissão de ser morta, permissão de ser casulo de puta abandonada, permissão de ter instituição para consolidar o controle fúnebre de tua vagina, saturnino peso sobre o sistema corpo, sobre teu sistema nome, sobre teu atributo de gênero feminino. A carne, a bruxa, a terra, o medonho, é mulher medo.

Que os punhos se ergam em luta solitária, de mulher em queda, de mulher em exílio, de mulher casta silenciada por manto sagrado, por fogueira, por medo do estrangeiro que habita em útero fendido, arrebentado, explorado feito caverna medo mítica, medo mística, medo mausoléu envidraçado.

Que os punhos se ergam e sejam os olhos revirados na terra dos dias, mulher que morde a mordaça, mulher castigada, mulher do feche as pernas e porte-se como deve ser mulher submissa, mulher assombrada, mulher virgem, mas puta na cama, mulher maquiada, montada, salto agulha, mulher sensual, sempre jovem, mulher Lolita, mulher novinha, mulher unhas vermelhas, mas o batom, vulgar essa cor, vadia. A mulher morde a coronha fria do pavor por descuido de existir.

Cale a boca, expurgo teu útero, teu sexo é praça pública, tua saliva, teu sangue, teu suor sempre valem menos, tua carne é pouca para 30 bocas que te carcomem dignidade, pulso, vida, história, futuro, passado, esperanças, medos. A mulher sobreviveu, a mulher teve 30 vezes a vida exumada, espumada entre rochas afiadas pelo medo. Mulher feito cadáver trôpego, feito pacote bêbado. Mulher não é gente não, mulher é elemento traiçoeiro. A mulher pecadora sobreviveu, encheu-se por 30 covas, conspurcada por 30 vermes. Mulher vertigem não viu 30 rostos, 30 rostos de punhal na vagina, útero apodrecido por 30 horrores machos.


Útero doa a via ao caminho da morte, o terror que purifica teu nome, mulher, é divino e feito de sangue. Ergo punhos em luta plena de nomes, em guerra cheia de ódio, mulher medo, minhas unhas perfuram os caminhos de placentas, seios e sorrisos opacos, sem manhã de sol, mulher é criança profanada no mistério dos 30 cacos, mulher é objeto emudecido que carrega o universo entre as pernas, mulher que em hemisférios hemorrágicos perfura a lógica 30 vezes, o demônio possui teu corpo em 30 formas de desalinho, o desafinado medo mulher, o apagado escuro de 30 violações. Mulher de 30 corpos violentos, de 30 nomes que gargalham teu nome, corpo, medo.

domingo, 22 de maio de 2016

Delicadeza

Havia algo de indiferença que nomeava pulsos no canto da minha sala estranha.
Sala branca, pulsos rápidos, vasos em coração de amarga tinta que escura escorria demência.
Era de sabor amargo, oposto ao sal, ao sal e ao corpo, era tangenciado pela língua de viperinas facas.
Sete facas amoladas cortaram meu nome em pulso estrangulado.
Batidas como golpes se atiravam dos céus em vespertino colorido azulado e delicado.
A morte como pelos cantos da sala, um delicado acidente que revira olhos e contorce mãos.
Sete nomes afiavam a língua sob sombras, sob o sal que seca colheitas, sob a delicadeza do demoníaco anoitecer.
Todos anoitecem com pulso, facas, amarga lucidez de estanque golpe surdo.
O verbo tem ossos como mel nos olhos do dia, no cerne do centro amolado, feito golpe afiado.
Quebra estruturas de melancolia demoníaca, arrebenta mares em gestação de meu ventre violáceo, adoecido.
Queima carne polida em versos de sobrancelhas de vertigem e síncopes.
Olhos revirados e luzes que subvertem os ramos de trigo que carrego nos punhos erguidos.
A violência é pureza divina em meu corpo, trigo invertebrado, corpo invertido.
Não há verbo no caminhar descalço de minha virtude sobre os mortos, há beleza feral, selvática
O pesadelo caça os pulsos rápidos em retorno de contos, de casas, de expurgos, de vermes e de ventania antiga.
O vômito precedeu palavra magia e céu azulado, contorce mãos e seca colheitas.
O golpe surdo anoitece e queima com indiferença em minha sala estranha.
Todos os mais de cinquenta pontos cardinais de meus ossos estancaram no cerne de sete facas.

segunda-feira, 16 de maio de 2016

Silêncio

Quando emudeço no galope de ventos que cortam cordas vocais
Estraçalham-se em pedaços de obscura rouquidão e silenciam os espaços entre silabas,
Silenciam-se entre síncopes, entre momentos de lucidez, entre espasmos vocálicos.
Abruptos acidentes consonantes amputaram  minha voz que fraca se diverge da vontade do mar, salgado e amplo.
Estraçalham-me cordas, timbres, tempos, pausas, respirações, sensações dúbias, vertiginosas, a boca. 
Corte horizontal que decepa o vascularizado de uma canção, vozes, vidas de vozes graves em verbos tristonhos. 
Desaprender o encontro entre sílabas e entre verbo,  entre carne e entre ossos, o transe que ocorre mudo e agressivo por detrás de dentes.
Para aprender somente o mutismo que contempla a vaga presa da voz, a selvagem pressa da voz.
Regem minha língua e me cortam os olhos em sangue que escorre através da garganta, garganta sem vocábulo.
Violento corte, abrupto, entre síncopes, Lúcifer e a rouquidão dos abismos, estraçalham-se glândulas e células. 
Haveria grande olhar para contemplar tamanho silêncio de verbo, de corpo, de vastidão de cordas vocais, mutismo, silêncio, degola, falta ainda aquele trinado, falta aquele agudo ainda que foi amputado no agora.
Olhar em vagas pálpebras e longos olhos distantes para um teto branco, pálido, sem voz, sem verbo, sem a presa vasta da voz e seus tônicos timbres diversos. 
Língua sem verbo, trinado sem canto de pássaro, mudez em aguda estranheza para com os destinos, mudeza como noite sem lua prenha, lua vaca, lua fértil.
Quando emudeço no galope de ventos que cortam cordas vocais
Estraçalham-se em pedaços de obscura rouquidão e silenciam os espaços entre silabas,
Silenciam-se entre síncopes, entre momentos de lucidez, entre espasmos vocálicos.
O silêncio decepou o verbo estrangeiro ao dia e emprestou seu espasmódico canto sufocado à noite.

quinta-feira, 5 de maio de 2016

Vertigem

É estranho o entardecer junto às estátuas de pedra
Esverdeados olhos pelo musgo dos dedos em riste.
Triste sombreado que dança no caminhar que pulsa em nota longa pelas árvores.
Pedra que pulsa empobrecendo caules, frutas e cores.
Máquina de triste dedo empunhando punhal, lâmina de sangue.
Azulado chumbo é o céu do entardecer em nossas mãos.
Lento é o céu que pulsa vento nas folhas, como se anunciasse ancestralidade.
Clamam em canto profano teu nome empedernido, lâmina de pedra inventada.
Não se pode mirar a vertigem dos astros em cápsulas de vidro saturnino.
Cápsulas de estrelas em olhos de branca penumbra, possuem anéis que vertem sangue.
A poeira dança na sombra das árvores ancestrais.
Qual passado, presente, futuro que se vê por entre as estátuas de pedra.
Caminhei na vertigem do azulado chumbo que penumbra nossas mãos, assustadas pela lâmina cega.
Árvores, é lento o compasso do triste entardecer, caminhei nas pedras de Saturno.
Traga-me a taça de vidro do silêncio de todos os tempos, Lua de lâmina envelhecida.
Os tempos em cápsulas de trigo, milho, vidro, pedra, vento.
Vertigem, como os pássaros são lentos sob a caminhada das frutas e flores.
Caminhamos, mãos esverdeadas junto ao teu triste olho de musgo.
As estátuas acontecem como líquens no coração de chumbo e de punhal.
Os olhos sorriem em gentil agradecimento pelo silêncio das estátuas, como lâminas cegas.
A coragem se esconde sob os tristes céus do entardecer intoxicado.
Coragem cor de musgo, vertigem, vidro encapsulado, maquinal, lâmina de carapaça.
Máquina, pulso, símbolos invertidos no musgo dos olhos capilares.
Capilar desenho da estátua que tinha um nome de mulher, antiga lâmina de muitas pernas.
Vestido de máquina o anoitecer assumiu o tom da dança lenta, triste.
Estranho entardecer, chumbo em esverdeado punhal, lente de cápsula, vertigem capilar.
Lâmina de sonhos, de penumbra em noite que entardece antes do tempo, saturnino veneno em Lua empobrecida.