Nascer mulher é ter fato, construção e procuração de
permissão do medo.
Permissão medo que o corpo seja esburacado,
invadido, mutilado, abandonado, quebrado, dilacerado, medido, carcomido os
olhos, que as mãos se enruguem em pavor e velhice precoce, permissão de ser
morta, permissão de ser casulo de puta abandonada, permissão de ter instituição
para consolidar o controle fúnebre de tua vagina, saturnino peso sobre o
sistema corpo, sobre teu sistema nome, sobre teu atributo de gênero feminino. A
carne, a bruxa, a terra, o medonho, é mulher medo.
Que os punhos se ergam em luta solitária, de mulher
em queda, de mulher em exílio, de mulher casta silenciada por manto sagrado,
por fogueira, por medo do estrangeiro que habita em útero fendido, arrebentado,
explorado feito caverna medo mítica, medo mística, medo mausoléu envidraçado.
Que os punhos se ergam e sejam os olhos revirados na
terra dos dias, mulher que morde a mordaça, mulher castigada, mulher do feche
as pernas e porte-se como deve ser mulher submissa, mulher assombrada, mulher
virgem, mas puta na cama, mulher maquiada, montada, salto agulha, mulher
sensual, sempre jovem, mulher Lolita, mulher novinha, mulher unhas vermelhas,
mas o batom, vulgar essa cor, vadia. A mulher morde a coronha fria do pavor por
descuido de existir.
Cale a boca, expurgo teu útero, teu sexo é praça pública,
tua saliva, teu sangue, teu suor sempre valem menos, tua carne é pouca para 30 bocas
que te carcomem dignidade, pulso, vida, história, futuro, passado, esperanças,
medos. A mulher sobreviveu, a mulher teve 30 vezes a vida exumada, espumada
entre rochas afiadas pelo medo. Mulher feito cadáver trôpego, feito pacote
bêbado. Mulher não é gente não, mulher é elemento traiçoeiro. A mulher pecadora
sobreviveu, encheu-se por 30 covas, conspurcada por 30 vermes. Mulher vertigem
não viu 30 rostos, 30 rostos de punhal na vagina, útero apodrecido por 30
horrores machos.
Útero doa a via ao caminho da morte, o terror que purifica
teu nome, mulher, é divino e feito de sangue. Ergo punhos em luta plena de
nomes, em guerra cheia de ódio, mulher medo, minhas unhas perfuram os caminhos
de placentas, seios e sorrisos opacos, sem manhã de sol, mulher é criança
profanada no mistério dos 30 cacos, mulher é objeto emudecido que carrega o universo
entre as pernas, mulher que em hemisférios hemorrágicos perfura a lógica 30
vezes, o demônio possui teu corpo em 30 formas de desalinho, o desafinado medo
mulher, o apagado escuro de 30 violações. Mulher de 30 corpos violentos, de 30
nomes que gargalham teu nome, corpo, medo.