quinta-feira, 28 de julho de 2016

Timidez

Bom dia/ boa tarde/ boa tarde em ritmo de elevador, olhar mirando os pés, ou para o teto, braços cruzados, uma perna meio cruzada sobre a outra perna esticada, o corpo levemente de encontro com o metal frio do ascensor. Típica postura de pessoas tímidas de sorriso, observadoras, caladas, de corpo meio curvado, mas a minha riqueza interna sempre estará mais intensa e bravia do que de mil vulcões em erupção, como bem sabem ser por dentro todos os introvertidos, os esquisitos, os de silêncios e os de esquinas e becos, aqueles que o sol nunca tocará com tamanha maestria como toca os demais, não sei porquê, mas não toca, por simples motivo de que o concreto é úmido e sua característica melancólica traz uma leveza ímpar que é cinza e um pouco castanha. Acabou que eu talvez tenha sabido o porquê. Embaralha nos cabelos também castanhos com um vento um pouco frio, mas agradável, nos dedos dos pés que não estão no sol, por estarem dentro dos sapatos fechados, os de olhos baixos para o chão, os que desviam de postes por um triz. Pés são elementos e membros que mostramos em dias de sol, pessoas solares mostram aos quatro ventos os pés e também os dentes, grandes, em pares cavalares, os molares, maciços e massivos comedores de carne. Os melancólicos possuem dentes frágeis, dentes que não receberam muito afeto e nutrição na primeira infância, faltou cálcio talvez, ou mesmo pelo motivo que a mãe tivera problemas com a amamentação, não produzindo leite por tempo suficiente ou mesmo não conseguindo produzir leite por estar semi-viva, mas essa é a fase crucial para a formação da estrutura óssea dos seres humanos, não se pode fazer nada. A primeira infância, até os 7 anos, segundo dizem. Não recebemos isso, mas precisamos de vitamina D, como qualquer outro ser vivente. Isso sempre nos nivela e nos pareia aos demais, não somos menos, eu costumo repetir todos os dias frente ao espelho do banheiro. Vivenciamos isso com tamanha grandeza e magnitude, o ato de receber o sol nas têmporas e no castanho dos olhos e cabelos e pele que, talvez, os de dentes e pés à mostra não consigam compreender, não por serem melhores nem piores, apenas diferentes dos que se dobram em múltiplas posições em meio aos demais, dos que tem mãos frias e que transpiram, das mãos que se esfregam na roupa antes de apertar outras e que o rosto avermelha por ter que tornar o simples bom dia/ boa tarde/ boa noite num cansativo ritual de não demonstrar nesse mundo de tanto sol o quanto de saturno se tem no coração.

domingo, 24 de julho de 2016

Corpos das falanges médias

                                                 Dedico às crianças sírias e curdas mortas na indigência da guerra

Pelos ossos das mãos vejo cenários antigos de metacarpos.
Atravessam tempos em tempestade forte, fecha os olhos, fortes cortes.
Lava a poeira dos ares e folhas que dedos minúsculos seguram meus músculos e tendões.
Vá num crescente envelhecer conjunto a ossos desgastados, os corpos das falanges distais.
Osso lunato que tem lua em forma de tema, possui cálcio e estrelas em sua base feita a pó.
Debaixo da terra, sete palmos de ossos sob poliformes nomes, nostálgicos nomes de medicina tradicional, jaleco branco. 
Viram o pó dos ossos desenterrados. Eles mesmos são cadáveres, respeite, ainda sobraram alguns dentes.
Cálcio, Potássio, Ferro, elementos que correm entre os corpos sem identidade nos corredores sem norte.
No corredor sem norte, a bússola dispara sobre ossos empilhadas num fundo de sala, anatomia medica, respeite, cresceram indigentes pelo bem maior, medicina, ciência, inteligência.
Fortes ventos, cortes imensos transversos modulam vozes e gargantas, decepam órgãos pelo bem daquilo que é humano, pelo bem dos corpos das falanges médias, muitos ossos, outros nomes, eles disseram.
Olha a anatomia de tantos, é tão igual, mas não é, há confusão entre os saberes dos homens.
Há tragédia nos ossos de tantos que guardam memórias debaixo de anjos de mármore e concreto, corpos finos, não mais firmes, em zona de indigência.
Todos em linha reta, horizontalmente dispostos estão os ossos que se dispõem a desintegrar matéria toda.
Corpo frágil de pássaro, luzes brancas por cima da cabeça a ser anatomizada, olhos de espanto, jalecos brancos, silêncio, sono, respeite, resguardo.
Pelos ossos das mãos vejo cenários antigos de metacarpos: a melancolia é a tristeza que passou a ser leveza, eles disseram, há vida, apesar de. 


sexta-feira, 22 de julho de 2016

Pousio

Aprender a se amar, a se respeitar e a se cuidar de si, é diário, é lição para uma vida inteira. 
Cabe a você se opta por matutar infinitas lunações sob a forma de mágoa e tristeza ou se opta por seguir galopante, rumo a algo, mas que nunca se sabe ao certo o que se é. 
Cautela. Audácia. Força. Luta. 
Não fomos ensinadas a isso, é preciso de muito murro em ponta de faca. 
Talvez uma vida só ainda seja ínfima para nossa estrutura de quebra cabeça que desencaixa e volta ao estado bruto de pedra, pedra com restos de unhas, de carne, de vísceras. 
Todo rito iniciático é repleto de quedas. Todo rito é morte. Toda a vida é bruta e não tergiversa. 
Língua humana é que faz volteio em torno do outro, em torno de si. 
Aprendi que quando nos perdemos numa trilha no meio do mato, deve-se seguir sempre em linha reta e, quando o entardecer se despenha dos céus, deve-se procurar um local debaixo de árvore (ou qualquer outro que instintivamente julgar o mais seguro o possível) para o pernoite. 
Não se vagueia sem luz, espera-se o dia amanhecer e segue jornada nova, tendo a cabeça erguida e sabendo-se humano, sabendo-se tão perdido em sua humanidade. 
Solidão. Não se precisa de simulacro para sorrir. Seguimos com os pés fincados na Terra e a cabeça repleta de sonhos aquáticos, contemplando verbo que é vento, elemento ar, mas que penetra ossos e os quebra sem meias conversas.
Cabe a você se opta por matutar infinitas lunações sob a forma de mágoa e tristeza ou se opta por seguir galopante, rumo a algo, mas que nunca se sabe ao certo o que se é. 
Finge-se que sabe para nos sentirmos um pouco mais importantes, um cadinho mais maduros, por assim dizer. 
Cautela. Audácia. Força. Luta. Respeite o pousio. Lança as redes ao mar e espere. Paciência. 
Quem não se importa que seja então levado do elemento pensar, feito vento nos campos de trigo, feito égua no cio. 
Respeita teu luto. Respeite tua luta. Resguarde o pousio. Seja grave. Seja rude. Respeite a terra. Guarde a cautela entre os dentes. Contempla o verbo ventar. Todo rito iniciático é repleto de solidão, de humanidade. 
Despenhe as lágrimas com os pés no solo em pousio. Adube a terra. Sobre prato de comida, não se aconselha a chorar por cima, pois traz a dor para dentro de si de volta. 
Chore como grito. Chore em silêncio. Dê murros em pontas de facas cegas. A fé está amolada

domingo, 17 de julho de 2016

Pelas migalhas, eu humildemente agradeço

O ar cativou o gelo em vidraça cinza.
Ecos, montanhas, matagais, no gelo do encaminhamento.
A terra resvalada pelo vento corrupia no céu da boca estrelado.
Mecânicos livra-me deuses dos trabalhos de Hércules.
Essa jornada do herói possui mais que cinco elementos.
Não tenho forças para segui-los e meu pensamento é neblina.
Repetem ecos sem livre arbítrio, as folhas parecem outonais, é tempo de parar.
Guardar luto pelos invernos, guardas lutas para os infernos, guarda amores para os enfermos.
Ajoelhei em cacos de vidro, a neblina era densa, parecia-me que havia começado outro país no passado.
Captei um eco entre montanhas e havia verdes, animais que carregam sinos barulhentos nos pescoços e velas em meus dedos.
Ecos, os doze trabalhos eram entre sombras e astúcias, não poderia: só conhecia canto bruto.
Havia um fogo no pós-inverno que a neblina mostrava aos cacos ensanguentados. 
Os caminhos eram de início cinco, pedia que lembrassem de mim, que não escondessem de meu nome.
Meu olhar perseguia neblina, minha voz possui o encaminhamento que guarda tempo para os enfermos e para países novos.
O ar entre meus pulmões era neblina, meu nome era neblina, meus olhos opacos, é tempo de parar.
Não se esqueça de mim, animais carregam os sinos e minhas pálpebras bovinas e barulhentas entre as costelas.
As velas entre meus dedos escorregaram e sou grata por migalhas e por aquilo que não houve.
As velas entre meus dedos são pelos mortos em valas e covas rasas e por tudo aquilo que não houve.
As velas entre meus dedos são pelos acordes mendicantes das ordens antigas e dos países do passado.
Por migalhas e por tudo aquilo que não houve, eu agradeço, ajoelhada em cacos de sangue e vidro.
Por migalhas e  por neblina, agradeço cada letra que derramou nas valas comuns de mortos.
Sou grata pelas migalhas e pelos caminhos de neblina, onde há trabalhos de astúcia, corisco e trilhas bovinas.
Por migalhas eu corri, eu agradeço, carrego os enfermos entre as pernas, feito animal que carrega sino barulhento no pescoço.
Eu agradeço pela neblina, pelas migalhas e assim o ar cativou gelo em vidraça morta.
Pelas migalhas, eu humildemente agradeço:
Há compaixão em meu olhar bovino, guarde isso para os enfermos dos países passados.