sexta-feira, 26 de junho de 2015

Nasci num mundo estrangeiro, cheio de tombos, buracos, virtudes ocultas, desprezos vis, humana em sua plenitude.
Nasci antes do tempo, talvez antes do definido, medido, moldado por mãos não-humanas.
Cresci com seriedade e solidão, numa vida de chumbo, terra e ventanias, mas ainda não as conhecia feito gente grande.
Cresci em pensamento nutrido de que poderia viver somente no olho do furacão, sendo mulher guerra e cheia de muralhas, cabelos curtos, revoltos feito coração em chamas, repleta de vicissitudes em meio aos redemoinhos.
Percebi que havia sempre uma nota dissonante, levemente sincopada, não pertencente aos meus tristes dias, envoltos em neblina e agora de passados.
Percebi o chumbo que o tempo trás, os olhares vazios, as mãos frias e a crueldade dos homens.
Descobri abusos, gritos, desordens, mordi a faca com a lâmina de encontro à minha saliva meio seca, língua com gosto pelo universo, língua repleta de corpos sem cor. Lutei, perdi amores e causas.
Descobri que ao mirar para os olhos alheios, aquele caos habitava já em meu peito, mas os caleidoscópicos versos corriam, os sorrisos lambiam minha testa em febre, talvez aumentando ainda mais o tremor da pele eriçada, feito gato no telhado da noite. Conheci a melancolia.
Então vieram as chuvas e se tornaram mães, irmãs, como as mulheres de minha vida, numa terra devastada, amargurada.
O mistério tinha teu nome, meu nome, minhas vísceras, minhas pernas perseguiam o medo. 
O coração era descabido, desavisado no peito, não tinha mais como parar, não compreendia como tamanho cinza poderia pulsar em carne vermelha.
Não sabia provar mais daquele mel em olhos, não sabia qual era o bicho que perambulava no ar, não conhecia o bater das asas e o som da filosofia que permeava as águas frias do teu desejo.
Tudo virou neblina em meus seios, em meu sexo, a turva claridade, tudo agora possuía dom próprio.
Não pretendo amizades com reis e autoridades, traço meu caminho em queda e exílio, exalto o amor, sobretudo quando meu peito tem regras em seu domicílio.
Agora estou invertida, mas se fitar-me noutro ângulo, talvez, possa eu estar a dançar velhas cantigas e também a sorrir aos luminares.

domingo, 7 de junho de 2015

Queria compor juntamente à sonoridade, canção que retornasse aos primórdios do Sol, quando em fúria, antes talvez, se espelhou nos olhos da trevas e assim fez a sombra de nós. Mas guerras do peito se anunciam vazias e destrutivas junto às projeções lunáticas. A matéria-prima alquímica dos sonhos se tornou hermética, em sua solitude cardinal.
Não sabia mais que rumo transformador tomar, se mergulhava em espelhos de morte ou se construía pontes mercuriais, revolucionárias. Na minguante lua se desfazem afetos e pálpebras aéreas. Os desejos e aqueles velhos fetiches escaparam também ao poder do sexo e puderam moldar a argila em vertiginosas águas sobre águas.

"Há ainda serpentes para alimentar e poços para cavar", afirma (des)conhecida voz.
O processo é tal como um deus caolho e, por isso, sábio, pendurado por nove dias e nove noites. É como um deus salvador, vindo de um Oriente distante e crucificado e morto, para ao cabo de três dias, transmutar-se.
É também como a energia do éter na matéria, como a poesia recitada por diversas línguas e cantos distantes. É como o início dos dias em tempos imemoriais.
Toma em tuas mãos o trabalho das vidas inteiras, das cores, das faces dos astros, das facetas dos deuses, da polaridades e triplicidades. E " torna-te quem tu és.