sábado, 26 de setembro de 2015

Velho Centauro

(Dedicado a meu pai)

Quando houve o encontro entre o centauro e o pequeno minotauro, 
Labirintos, tormentos e cascos ribombaram em corações há muito abandonados.
Dançaram a canção animal-homem que somente ambos conheciam.
Aquilo era força Fogo, era força Terra. 
Aquilo era um rito precioso e antigo, somente a aspereza compreendia.
Tudo o que havia de coração entre ambos, então transbordara.
O jovem minotauro cresceu robusto, saudável e cheio de um orgulho precioso de si.
Ele era a natureza que viria a ser, ele era um raio da manhã, um relâmpago,
uma ventania selvagem, uma cantoria de cascos, 
uma poeira de tantos desencontros, ali encontrada.
O Centauro sabido e bem mais velho, adoeceu.
Sua ferida não tinha cura, ele era a natureza que viria a ser,
ele era uma flecha numa constelação, uma cantoria de nebulosas,
uma poeira estelar de tantos desencontros, ali encontrada.
Seu corpo velho não poderia ser nutrido mais pelo coração do jovem centauro.
E este sofreu, e tudo o que era afeto, viria a ser um desespero mudo,
Desencontrado pela falta, pela fala, pela crueldade dos homens.
Pelejaram contra o destino, contra os deuses, contra a natureza, em silencioso anoitecer.
Quando houve o encontro entre o centauro e o pequeno minotauro,
Corpos, mortes e vidas formaram um desenho nos céus, 
Como uma linha tênue, ligada por somente alguns pontos.
O tempo passara, o que viria a ser centauro era agora uma constelação
Que o minotauro agora observava em sua contemplação emudecida.
Mas dizem que ainda se escuta um auspicioso galope em seu coração.
E que em certos dias de dezembro, um relâmpago corta os ventos com seu nome.


domingo, 20 de setembro de 2015

Cálcio e Estrelas

                                                                     Dedicado aos presos assassinados e 
desaparecidos no Chile, 
durante a ditadura militar de Pinochet,
 e às suas mulheres, filhas, irmãs 
que buscam restos de suas ossadas 
no deserto de Atacama.

O Sangue que ferve ossos desde o primeiro grito, forte, prematuro.
O galope ágil mistura folhas e galhos nos rostos pálidos.
O Vento quebra sons, indelicadamente, em barreira de areia e calcário.
Centelha de estrelas em olhos de cálcio.
Estrelas distantes, crepitar silencioso da nebulosa.
Labaredas e sombras em cavernas escuras, campos de morte.
Encontra-se somente o lodo de antigos sapatos, escritos e prantos.
Pedras, homens, carne fendida, gritos, estradas fervidas.
Silêncio, sangue que ferve ossos ancestrais, desaparecidos.
Cálcio dos ossos de todos os homens de estrelas fendidas.
Perdas, homens, ossos, galope silencioso de areia.
Rebentar de ventos em sóis do amanhã desaparecido.
Crepitar da barreira de areia em olhos de velhas mulheres, caminham.
Copo de vidro em mãos, quebra, estilhaça fragmentos de corpos de velhas mães, caminham.
O vento e as sombras fervem estrelas escuras, arenosas memórias, calcificadas.
Ancestrais, velhos ossos de baleia, crepitar ágil em olhos de cálcio, nebulosas areias-galáxias.
Pedras, sangue, horrores e guerras, caminham silentes em memória.
velho copo de vidro em mãos de cálcio, desaparecidas.
Centelhas, galope, versos de estrelas, barreira prematura e forte.
Areia velha, desaparecida, uníssono vento, prematuro, forte. 

segunda-feira, 14 de setembro de 2015

Há de ser

Vou-me embora e levarei somente a terra de meus cabelos.
Não desejo posses, bens, corpos, animais.
Há um cheiro agridoce no perfume do ar sereno, noturno.
Não há de haver muito, mas o que há de ser, há de ser pouco.
Pouco de terra em minhas botas, léguas de tréguas e silêncios.
Botas de ar embebidas em travessias e matagais.
Basta de guerras, há somente aquela semente na árvore distante, onde seivas descansam.
Léguas de tuas botas em meu peito de ferro, calado, dolorido.
O que há de se querer, há de ser tempo, há de ser duro, qual nuvem no céu, paisagem de montanha.
Há léguas, botas, cansaços, minha boca seca, meus odores fortes, suor, sexo, não há de ser muito, há de ser pouco.
E aquela sede, que mata, que carcome alma, que despe dentes, que disputa coração, há de ser vento seco, há de ser vento canto.
O que há de ser botas, há de ser noite, há de ser olhos revirados, feito de cão morto na penumbra da casa.
No revoar das botas, que caminham léguas, minha boca seca, teus olhos revirados, feito cachorro sereno, noturno.
Não há de haver animais, bens, cheiros, há de ser somente léguas e matagais, travessias de tuas botas no meu suor, no teu sexo, há de ser duro, onde seivas agridoces descansam.
Nas guerras findas, basta, há cansaços em meu peito de terra, levo travessias na semente da árvore distante.
Nos perfumes levarei somente teus cabelos embebidos de nuvem, suor, paisagem de montanha, há de ser pouco. Há de ser pouco.