quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

Jardim

A vida é sempre a testemunha dos céus sobre nosso sangue que se expande em todos os tímpanos, feito impulso sonoro, feito um sono danoso e duradouro, próximo ao jardim. A calamidade de nossos ancestrais nos puxa por debaixo da cama pelos pés que sempre se encontram em desatenção e lá estamos novamente, rostos próximos demais ao pó da terra. 

A taxa de mortalidade infantil ainda é alta se compararmos nossos corpos a motores semi-falíveis e justamente perecíveis que se expandem nesse espaço. Se a Lua sussurrada se combinasse com os diagramas esculpidos em meus dedos, diria que sou filha de alguma tristeza cozida em preces e olhos de boi, elefantes, ou de tantos outros animais de grande porte, largos, vastos, pesados. Mas há apenas o sonho de aranhas que passeiam sobre minha clavícula e cantando antigas canções ao lado dos meus olhos, nunca as vejo de frente, talvez sejam um detalhe entalhado desse lugar. 


Há pouco esculpi um frondoso jardim em frente aos meus dentes de sabre, era de terra vermelha, havia uma água pantanosa, uns pássaros que cantam ao amanhecer, algumas nuvens fragmentadas nas alturas, flores que desconheço o nome e procedência, etc. Nada de assustador, garanto. Talvez um fio de corda próximo ao rio, uma lã tecida em silêncio ao lado da jarra de porcelana com um chá esverdeado e de produção indefinida. O tempo é muito solitário ao lado desse chá, mesmo ao lado da moça que preparou o chá na estufa onde estão algumas das bromélias e orquídeas, mesmo de frente para o paletó desbotado pendendo numa cadeira, no jardim.


Aqui há muita poeira cor da terra que por ser vermelha, mancha tantos tecidos, das mais variadas texturas, modelos e tamanhos. Olhei para meus pés e, mesmo depois de lavá-los com água sanitária, permanecem cor de água salobra que é a água tipica do jardim, juntamente ao avermelhado da terra opaca que paira em seus termos por sobre o chá da moça, sobre os tímpanos dos elefantes, sobre olhares de porcelana lunar de grande porte.