sábado, 10 de outubro de 2015

Água Doce


(A Gaston Bachelard)

Parece que o mar, ao espumar em minha pele,
Levou docemente meu sexo em revoada de peixes.
Seres marinhos habitaram meu nome, campos de trigo e de sonhos.
Tudo era devaneio, vontade esquecida, névoa de cardume anoitecido.
O esquecimento da espuma que chicoteava meu dentes, minhas vísceras em morada diurna,
Onde habitam Homens, Deuses e Heróis, era um caminho para a noite.
Via-se contos de viajantes de velhos cargueiros, netunianos.
Em seres marinhos a espuma escondia toda a peste que habita a minha alma.
Junto ao líquido doce e feminino de teus lábios, escorria agora um pouco de areia sóbria.
O cheiro da água estava presente, era-se água, podia-se vestir corpo de água, ter olhos de água escura.
A água anoitece, teus sonhos vegetais estão suspensos até o amanhã.
Esperamos que o sol desbrave noites inteiras e mares salgados, 
Esperemos que traga a luz na nossa língua materna.
Esperemos o Sol como deus que embala nossos corpos de olhos fechados.
Não se necessita abrigar passados, mas o tempo está também nas águas.
O tempo traz as marés, aquele líquido profundo, petroleiro, saturnino, obscurecido.
Há todo o esquecimento da água que escumou em meu sangue anoitecido.
Há todo o devaneio da tua língua materna sobre cargueiros frágeis e esquecidos.
Há todo um mar docemente embalado pela peste que habita meu sexo.
Há a toda uma água vestida em corpo de viajantes, campos de trigo e de sonhos.
Há todo um cheiro de Homens e vísceras escondidos no obscurecido de teus olhos.