quarta-feira, 12 de outubro de 2016

Caranguejo

Traço todos os meus caminhos nas encruzilhadas azuladas pelo brilho espesso da carapaça do caranguejo. Caminho com os olhos baixos, silentes pés que se afundam em areias e cimento. preciso olhar para trás e sentir o vento que cai sobre meus cabelos na minha pele. um azul de cores que ofuscou a semente que atende pelo nome de canto e de sonho. Retraço rotas, levanto metas, não atinjo nada, é simples o dardo tranquilizante que permeia meu coração. tem um caminho de pérolas e dedos que transfiguram sonhos e que tem um nome marítimo. Sorrio um pouco, me sinto tímida e inadequada, é compreensível, não consigo expressar o quanto já carrego comigo. Mas não determino que o vento continuará a bater no meu rosto e que me inclinarei um pouco sobre a boca do poço e verei o teu rosto completamente translúcido num piscar de areias que se agitam no fundo. a minha saia subiu bem acima dos joelhos quando me inclinei. não temo, sorrio novamente, acho incrível essa liberdade que me dá chamar pelo teu nome e chamar palavras para encontrarem um vocálico e pálido alimento de quem tem por rotas os olhos no chão e pedregulhos ásperos nos céus. talvez seja o efeito dessa areia toda que deixei cair dos bolsos furados da minha camisa de carapaça de caranguejo. ainda encontro um aéreo voo que faz pelas sombras dos dedos naquele fundo de mar, naquele áspero poço, pelos meus olhos castanhos e tímidos, algo silente, tem o azul e outras cores variáveis. é compreensível que tenha chegado outra estação de mar, de trem, de vento terrestre, de tempo presente, de mãos entrelaçados numa chegada que se parece eternizada num momento de pedestre. Perdi todas as metas, caíram dos meus bolsos na areia, no fundo do poço, me inclinei, olhei o reflexo do teu olhar quente, úmido, tímido, como areia e mar. fechei os teus olhos com meu sorriso e esperei somente que o olfato desse serviço de guia ao coração destemperado. não senti mais medo de qualquer tempo, de qualquer monstro, eu tinha uma carapaça, tinha flores diversas para brincar no reflexo dos olhos alheios, tinha um brilho espesso que não adestrava nem meus cabelos nem minhas angústias. era algo de submarino que assentava como dedos em minha cintura e chamava um compasso de rio, de floresta, de rotas, de sementes. uma corda solta, uma nota que ressoa pelo mar e vasto como um caminho quando percebo que ainda piso sobre areias e cimento. minha saia levantou mais de dois palmos quando fiquei na ponta dos pés para olhar teu reflexo no poço. percebo que possuo nos bolsos e no coração uma carapaça de caranguejo. sorrio.

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