domingo, 30 de outubro de 2016

Observações

Não tenho cáries, sempre trabalhei bastante, isso deveria ser o suficiente. Arrancar todas as peles, devastar rostos com meus dentes afiados feito gema de ovo, é uma possibilidade. Estilhaçar meus cantos, minhas sombras laterais, me arremessar de tua janela estrambótica, outra possibilidade. Eu juro que recebi um pouco de educação, o suficiente, eu diria. Engula num suspiro de uma única vez a vez de vida que eu tive em meus pés, como um trago. Meu sangue pode congelar nas veias, minha sombra não estanca nas paredes e portas, ela prossegue, insistente. Estou como um canto de saia esvoaçante que se repete sobre uma vasta mirada, uma espécie de arrancar de peles. Minhas penas, peles e olhos prometiam algo a mais a outras partes de meu corpo, porém faltou um ritmo, um devastar qualquer que tocasse como estratagema minhas veias. Eu escovo os dentes quatro vezes ao dia. Eu me deito, não há recordações, não há meu nome, meus sonhos, meus santos dias, meus golpes de alegria, meus horrores de estar em, de estar sobre algo, de sentir além das esquivas e dos anos traiçoeiros nos quais permaneço em posição de caça. Sobre a impossibilidade do amor, minhas veias tomaram formatos equinos e o coração algo que não pode ser nomeado, talvez recitado com uma velocidade acelerada. O chá não estará pronto a tempo, a comida não estará servida e minha cama estará bastante arrumada mesmo no final. Não amassarei a toalha de linho da mesa de jantar, colocando meus cotovelos sobre, prometo. Não darei trabalho algum a ninguém, prometo. Deixarei a porta trancada e serei silenciosa, como aprendi a ser, sigilosa. Eu sussurro e, por um momento, é quase erótico meu sofrimento, me desculpe por esta observação impertinente. Eu reviro os olhos, sinto meus dedos frios sobre meu corpo, é quase um mistério que o destino seja assim tão estranho e inimigo, insistente, parece que não fui educada o suficiente. Não dançarei mais, não terei mais que ser alimentada, isso será de grande ajuda, garanto, logo logo, mais economia em tempos sombrios, uma espécie de peles e de rostos devastados se aquecerão das minhas sombras. Talvez haja uma dança lenta neste caminho de aquecimento das marés, mas somente para os próximos meses, esta é a previsão. Alguns poderão ficar com os livros, os sapatos gastos mas, a cama permanecerá arrumada e intocada, eu sou organizada, mesmo sendo suja, fria e manipuladora, eu me viro, darei um jeito para que a sujeira seja a menor possível, afinal, sou apenas uma sombra sobre um edifício qualquer. Procuro sempre ser asseada e não amassar toalhas com meus cotovelos incômodos, tenho boas recomendações, verdade seja dita.

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