quarta-feira, 5 de outubro de 2016

Despeço-me de todos os oráculos

Despeço-me de todos os oráculos e, pela desfaçatez de um texto, me coloco do outro lado da margem, do outro lado da obscura lua de citrino. Não posso mais contar os dias através de cálculos nos quais habito em passado e futuro, sem ao menos ter a sombra debaixo dos meus pés e olhos, atentos, postos no chão. Levanto as pálpebras vagarosamente para a chuva que arrebenta o solo em poças que se assemelham à ondas sonoras. Calmamente fecho livros, calamidades, açoites, sangrias e amores. Desesperadamente me despeço de todos os oráculos, por caráter meu de obsessão, por um riscado estranho do Destino que me desdenha em vez de me comprar. Canto com os lábios um pouco secos, as mãos um pouco dormentes, pois não posso mais ler as mensagens que os oráculos deixaram nos muros das ruas, nos bancos das praças, nos quadros pendurados nas paredes do prédio onde moro. É o sentido invertido, é a loucura do símbolo e do signo que me arrebenta o peito e me deixa sem ordem. Não possuo mais esse dom. Descrever o Destino não é sinal de sorte. Não quero mais atravessar os sentidos que podem haver num copo que se estilhaça em vidros pelo chão da cozinha. Não posso mais olhar os corvos, as árvores, as estrelas, os planetas, as umidades do céu e assim lê-los em versos dodecassílabos. Não posso transcrevê-los nem com a saliva de minha ausência nem com a paciência de minha violência. Tenho chifres entre os ossos das mãos que me alfinetam o coração, todas as vezes nas quais toco em determinados tabus sanguíneos. Colérico, alarmado, fleumático, despeço-me dos trazidos e dos deixados, despeço-me de descrever o destino com alfabeto, alfabeto como sintagma. Despeço-me de todos os oráculos pois, por afinidade com o não existir, me restou muito pouco. Habito a história com os pés em alturas aquáticas. Habito com aquilo que ainda de pequeno anfíbio me restou entre as membranas dos dedos dos pés. A estrutura óssea é movediça sobre o medo. Despeço-me do olhar sobre a morte, pois não me cabe julgá-la ou usurpá-la ou delimitá-la em sua espacialidade que me é estrangeira, mas que carrego com um pouco de afeição estática, como se fosse um livro de horas, repleto de peso, imagens e fios de ouro. O que a clareza e a delicadeza de estar exausta me trouxeram não se posterga. Despeço-me do Destino ou mesmo O encontro agora, pois é instante.

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