sábado, 24 de setembro de 2016

Pugilismo - parte II

Não tenho por hábito escrever títulos ou encontro um punhado de dificuldades para que um texto caiba em três ou quatro palavras que compartilham um ideia em comum com aquilo que virá logo a seguir. E o que isso tem com o boxe? Pois te digo, tudo. A arte da esquiva é uma delas. Eu me esquivo de títulos, é quase um conto pensar num nome. As ideias cabem de modo invulgar nas sinapses. Penso que ao muito se esquivar, acaba-se por cair fora do ringue antes do tempo. Assim, na vida mesmo. Essa imagem da eterna esquiva, traz à memória aquelas fabulescas histórias macabras do século XVII e XVIII sobre como um homem qualquer tenta ludibriar a morte e acaba por encontrá-la do modo mais inusitado o possível no fim da linha. Sempre gostei da ideia de me relacionar com a vida fazendo uso do "clinch": o abraço que se utiliza no boxe para evitar que o adversário tome distância o suficiente para socá-lo nos cornos ou no fígado. Ou mesmo nocauteá-lo. Enxergo o clinch como uma mútua forma de admitir algo pouco viril, digamos assim: estamos ambos cansados. Precisamos de uma pausa. Precisamos de um pouco de tempo. Mesmo durante, em meio, ao embate, mas sem perder o ritmo da dança. Não há espaço para um copo de água. Nisso é que reside o mais incrível e mágico. Nunca se perde o compasso. Mesmo quando se muda de tom em meio a uma canção antiga e não partiturada ou mesmo partiturada, mas que você não sabe ler a tal grafia musical. E como evitamos o adversário? Isso mesmo, o abraçamos, improvisamos, decoramos a canção para tocá-la com a partitura a nossa frente, fingindo, assim, saber lê-la. Tacitamente sabemos as regras do jogo (e as regras da morte) mas não estamos interessados aqui em nos esquivar dela. Esquivar-se da morte é jogo de aposta barata, é carteado em beira de estrada apostando a sua bendita alma por não ter uma pataca furada no bolso, é jogada furada, já te disse. Esquivar-se da morte é trama em malha fina, perto do penetrar um reino qualquer de poeira e vaidade, um reino de fundo cargueiro, um reino marinho que traz canto antigo de velho marujo que escreve e que luta um pouco, ocasionalmente, nas guerras napoleônicas. Talvez aos finais de semana. O clinch não é para finais de semana ociosos nem para conversas amigáveis às tardes de sábado por volta das quinze horas nas quais você utiliza a porcelana de sua tia madrasta com arabescos azuis e colchetes que mais se parecem azulejos presos numa vírgula do tempo. O clinch é para ser mais utilizado do que a esquiva, pois o boxe é esporte que se dança, é um jogo em que nos tornamos mais vulneráveis do que o habitual perante os olhos do tempo, é um esporte de corpo a corpo, sangue e estrelas. Note como dança: sempre gostei de boxe.

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