sexta-feira, 1 de abril de 2016

A Cidade

A ventania que percorreu a janela do prédio alto em sensação de crime e de chuva era
Como se um corpo tivesse emudecido, atirando-se, sem dó, sem nome, sem mãe.
Havia brisa, névoa, vertigem, vento que entra pela corrente sanguínea e nomeia coisas.
Havia um monte de olhos que desejavam a tua descoberta emudecida, empoeirada nas calçadas.
Havia um ponto sem caminhos, como ponte que volteia em estrada vazia.
O cantar do pássaro agora retinha duas vezes um som trinado de limitada liberdade.
Havia o pássaro em árvore velha e nodosa que estoura a raiz do concreto.
Havia no submundo daquele canto de pássaro uma cidade vasta de cansaço e de fardos sem memória.
Cantei tantas léguas, botas, caminhos de estradas, forasteiros, montanhas e olhos verdes que encontrei no revoar dos dias.
Hoje canto a cidade que emudecida se esqueceu de todos, pois nasceu para o cinzento e para o mais do que breve, cidade que nasceu para a secura dos tempos.
Hoje canto a falta, a lata no chão, o bueiro sem tampa expõe uma fiação elétrica.
Hoje canto carro, canto capote de carro em ponte engarrafada, em buzina alta, crescente, carro de indefinida cor, de marca qualquer, irrigado por álcool ou gasolina.
Hoje escrevo um poema sem pressa e sem anseios, apenas no digitar das palavras, na constância embotada e repetitiva dos dedos.
Hoje há somente o pombo, a barata, o lixo, o verme que devora os restos do lixo, a pulga, o piolho.
Hoje não canto madrigais, não canto jograis, pois que não há luz vespertina que ressoe no coração dos campos de trigo. 
Hoje não há campos, não há cavalos, galinhas, ovos, sonhos, bichos, sorrisos, esperanças.
Hoje há somente alguns carros parados na esquina, pessoas aglomeradas no esquecimentos dos dias, paradas igualmente, olhar vago sob os freios dos ônibus sujos e quentes.

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