quinta-feira, 30 de julho de 2015

Primal

E então desceu aos infernos a fim de retomar a Lua.

Havia uma fera, sua pelagem era de um negro-noite tão místico quanto os uivos dos lobos.
Mas sua alma era felina-leopardo-lince-gato, caminhava por sobre telhados, estradas e matas. Encruzilhadas também faziam seus destinos. Diziam possuir olhos de noite-estrela, verdes e redondos, vivos, magnéticos, refletiam o amarelo dos céus noturnos, às vezes azulados ou purpúreos podiam ser vistos.
Havia em sua inocência de fera lunar, um brilho que abarcava manhãs e que detinha mais de mil sóis em seus bigodes, narinas, garras.

Há que se ter como tarefa manter a fera enjaulada. E essa é a minha tarefa, disseram-lhe.
Silêncio! Silêncio! Silêncio!
Berraram em seus ouvidos peludos e escuros. Ela não compreendia. Se atemorizou.
A fera sentiu medo, sua pelagem se eriçou e seu corpo tomou como movimento o brusco de caminhar lateralmente, como um pequeno caçador de borboletas, assustado por presenciar seu primeiro inverno. E manteve-se em silêncio. Em silêncio. Silêncio. Silêncio. Silêncio.

E silente afundou o corpo no lodo. no crime. no ódio.

Notou que seu focinho fora perdendo a aparência de fera da noite e começara a tomar por si que detinha agora de lábios e de um quase-nariz. Que suas patas haviam ganhado proporções de raiz, que existiam nodos terrosos em lugar do que se chamava por crânio arredondado que adornava sua cabeça. Então mergulhou mais no crime e bebeu da água dos poços infernais. Percebera chifres espiralados e fortes, talvez cascos também? Havia uma confusão de patas que dançavam no ar com violência, vozes, uivos, suspiros, berros, gemidos. Haviam sátiros nesse martírio, eles dançavam, cantavam, rodavam mais ainda o vento gargalhado em torno da pequena fera que - envelhecera muito nos últimos tempos - segundo disseram-lhe os chifrudos.

Pois que calem-se todos, há uma metamorfose de fera-humana, telúrica, bestial, madrigal. Não se sabe ao certo; mas este é mistério lunar que não termina a sua história, deixa uma marca de mandrágora nas águas noturnas sob as quais se desloca a cada temporada. E que se encontra sob sete vezes sete vezes sete vezes sete vezes sete palmos da terra.

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