terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

Passagem

Tenho por medo a perda das coisas que me arrependo depois.
Tenho por medo livros e livros que deixei passar, sem olhar a rota das nuvens antes.
Deixei roupas, corpos, vinhos, sapatos diversos e mais e mais livros dos quais não me recordo nenhum nome.
Deixei tantos anos e cores cardinais se frustrarem por baixo de minhas pálpebras
Que penso que o tempo irá borrar a vista turva por passeios em parques melancólicos de mim.
As doces memórias de uma nuvem borrada de chão estão retidas na retina dos tempos, dos tempos, dos tempos.
Estão retidas nos termos de uma música de outro pão, de outro papel, de outro amor.
Contém astros, verbos, presas castas, minerais ainda indecifrados pelos gestos.
Contém toda a brisa de um suave olhar esverdeado como sombra da árvore musgo sobre a terra batida.
Contém amanhecer alaranjado no qual retive em círculos concêntricos de frutas e flores o sorriso do teu nome.
As lembranças de um sorriso ígneo e forte, sincopado como letra de ventania que escreveu meu nome na tua delicada pureza.
As lembranças ígneas decifraram o meu nome na poeira das nuvens que contém brisas, astros e terra.
As mães de anos e cores mutáveis nomearam as mãos de outrora e represaram o medo  das coisas que me arrependo depois.
A vida é larga, vasta, casta presa de poder forte e ígneo, muralha de tempos, muralha de musgo verde sobre a sombra da terra.
Arrependo-me de mencionar nomes, memórias, tantas imagens que retive por debaixo de cílios, lágrimas, glândulas, retina, pupilas, vastas, presas castas.
Calei perante aquela presença repleta de mutáveis tempos e astros, pois o suave olhar esverdeado permaneceu sem olhar livros e livros que tenho por medo e deixei passar.
Os melancólicos pesares fixos de meu peito permanecem em sincopado chão, em doces memórias que fustigam as formas amplas de meus nomes.
Há exata virtude no silêncio cativo e manifesto que suspende nuvens e astros sob meus dedos.
As partes doces das lembranças ígneas estão retidas na retina dos tempos, dos tempos, dos tempos.
Tenho por medo a perda das coisas que me arrependo depois.
Tenho por medo livros e livros que deixei passar, sem olhar a rota das nuvens antes.

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