quinta-feira, 25 de janeiro de 2018
Fogo
Olhar para o fogo, sustentar o olhar do fogo, mirar a mirada do fogo. Não é a inspiração que se sustenta por mais tempo, mas sim a expiração. Brasas, cinzas, estalos de galho seco no seco do quente do fogo. Soltar, voltar, lutar. Na vontade se expira. Redescobrir o ardor, a força, a paixão pelo vento que alimenta o fogo. Mesmo que os tenha perdido: o vento e o fogo. Sobra a teimosia. Caso pense que sabe a resposta, pois não se sabe, desistir não é uma solução. Deitar. Olhar para o fogo, atenta, atento. Não dormir um sono-torpor, dormir um sono-sonho. Esqueça sobre escrever. Obedeça ao chamado da terra, as raízes são como pequenas nervuras entre os dedos, entre os dentes, entre as unhas. É estranho, leve e fluido. A terra é leve e fluida. Estranho, mas é. Acabou o caminho, que seja, vá-se embora. O vento e o fogo estancam a fome e a terra nos faz redescobrir o ardor. A terra arde ao sustentar o olhar do fogo. Mirar a mirada da terra é a expiração de tantos caminhos. A inspiração é atenta ao vento e ao fogo. Olhar é atentar para os perdidos no seco do seco do osso. Não dormir um sono-morte, não ainda. Não lutar sem antes soltar, não voltar sem antes lutar. A teimosia da terra é leve como uma pequena nervura entre a paixão e o sustento. A força demanda tempo, tempo consumido pelo obedecer às raízes que alimentam montanhas, ferros e cascos ao se sustentar o olhar do fogo, olhar para o fogo, mirar a mirada do fogo. No seco se volta, no risco se caminha, no chão se escreve, no sonho não se dorme, na redescoberta se curva o galho seco no seco do vento.
quarta-feira, 24 de janeiro de 2018
Mar
E esse olhar gigante imenso posto sobre o outro e sobre todos os ângulos possíveis é um doer por demais, eu sei. Você se esqueceu de pegar a corda ao descer? É como provar com os teus olhos uma cor, como sentir um café com a tua língua, como cheirar o mar no qual você tanto gostaria de estar. Fecho os olhos e vem todas as marés ancestrais de um mundo inteiro onde cantaram onde amaram onde guerrearam em todas as mais possíveis línguas dos homens, os homens. Marítima fé me lembra até soberano Júpiter e enxergo o verde no toque da brisa que te toca num sonho onde algo me apareceu de olhos imensos e escuros sobre todos os ângulos possíveis, fugidio. Saiba que o gigante, o mítico, o encantamento, o mar, o café, o ancestral, o Mediterrâneo possuem em todos os homens o teu espelho, o teu nome, o teu estar. Eu fecho as cores e sinto como você pôde se colocar por breve segundo em minha língua. Meu corpo não se esquece de um rosto. Debaixo da minha língua escondo minha marítima fé que é imensa larga e gigante como todos os que tiveram esposas, olhos, cores, luas, vertigens, julgamentos. Como todos aqueles que adoeceram cedo e não longe foram. Para aqueles que junto à você o mar vai levar para fechar os olhos e ver o Sol ainda que bem longe. Perceba: nossos ancestrais choraram o mar sobre as tuas dores nas vertigens do meu encantamento melancólico.
domingo, 14 de janeiro de 2018
Retorno
Se você percebesse o quanto da vida se derrama em
nosso colo sem que nada, mas nada, possamos fazer. Se você soubesse que a construção
e a estabilidade estão divididas entre séculos e campos. Que o encontro de
estradas e de estrelas é aquilo nos faz num rompante de mundo ser um mesmo
único tempo e depois desfazer-se por inteiro. Que o tempo é mistério. Que a instabilidade
faz de nosso corpo-campo-sopro aquilo que nós somos. Que o Destino tem voz que
machuca-constrange. Tem tanta gente. Não temos culpa que a construção seja
construída na vaga ideia de um tempo mensurável. Se você percebesse, você
saberia num desespero quase ansioso, quase infantil, quase fortuito (quase
sábio) que você é único e que depois não haverá mais esse único haver. Que
haver é preparar-se para não mais haver. Se você tivesse fé nas estradas e nas
estrelas saberia que a construção se desfaz por inteira num rompante único. Se
você permitisse que estradas e estrelas se derramassem em teu colo, talvez você
soubesse. Se você se permitisse saber que não há talvez nada mais único e
bonito do que simplesmente não saber o que haverá. Que o tempo é fortuito e
somos infantis, constrangidos. Que o mistério é um rompante e somos machucados,
mas imensos. Se você soubesse que somos imensos, apesar de toda essa gente. Se
nesse único houvesse você percebesse que somos gente.
domingo, 7 de maio de 2017
Carta sobre carta
Rio de Janeiro, 07 de julho de 2016
Olá, L., tudo bem? Fiquei pensando sobre o que
escreveria numa primeira correspondência. Matutei durante dias sobre assuntos
diversos, desde temas mais rasos sobre a temperatura que faria por aí aos mais
profundos e que calam forte dentro da gente feito represa d’água. Mas não, nada
disso daria conta ou teria relevância numa primeira carta, pois desses
assuntos, a gente proseia quando bem entende, quando o momento pede, quando há
uma sincronicidade (como diria o velho Jung, você deveria lê-lo) que eleva o
ser “pessoa” ao ato de enxergar mais além e ver junto ao Outro. E esse não é o
momento. Bem, vou deixar o fluir sob a forma de uma “metacarta” (uma carta
sobre o próprio fazer-se carta). Não como receita de bolo, pois não há fórmula
pronta, pré-estabelecida, não há medidas, não se pode ser julgada de tal modo,
isso seria grande bobagem e quase uma afronta ao ser-carta. Porém, essa receita
serve muito bem para escritos que passam por outros processos de transformação
e depuração. A carta possui mais um elemento bruto, como sonata quase pronta, vem
do solo de nossos dedos até a ponta da caneta. Não se torna menos interessante
por isso, pelo fato de não encontrar a alquimia dos alimentos que são fervidos,
que são cozidos, que são transmutados e se plantam sobre um prato por cima de
uma mesa de madeira. Eu vivo com fome, pensar sobre como alimentar e todos
esses processos de forma mental, poética e alquímica fazem parte de um dos meus
sistemas de pensamento. A carta é como um veículo, como um carro, um trem, mas
que se locomove pelos dedos que possuem o conhecer de decodificar um sistema de
símbolos tão primário aos nossos olhos, mas tão complexo se olharmos com o pensar
um pouco mais atento: o alfabeto. O alfabeto conhece (em parte) todas as
possibilidades de transições entre estágios de humor, passado, presente e
futuro da vida dos seres deste planeta. Podemos escrever uma carta como se a
gente fosse um animal, o alfabeto possibilita isso, mas seria pretensão tentar
sentir e pensar plenamente como cobra ou como beija-flor ou como taturana. A
torre de babel já desabou há um bocado de tempo. Portanto, palavras limitam,
mas expandem ao mesmo tempo, tudo misturado, e daí entra o elemento que seria o
Mercúrio para alquimia: quando verbo e movimento de forma simples se humanizam,
se harmonizam. O simples é o contrário de fácil. Cultuo a simplicidade da
carta, pois ela parte de premissas que ocorrem em cotidianos, nas pessoas
observadas pela gente quando se senta num banco de praça qualquer,
despretensiosamente. Ser despretensiosa, caminhar ao sabor dos ventos (quando
enviada para outro país), entrar numa garrafa e vagar por cidades e Estados,
essa é carta, uma delas, das que estão cheias de coragem para serem postas em
garrafas e viajar por mares, terras e ares, por isso elas são também aqui
chamadas de brutas. Porque na sua delicadeza tão tímida são fortes e comportam
uma imensidade de caminhos e de vidas.
Atenciosamente,
A.
sábado, 7 de janeiro de 2017
Breve consideração sobre um início
A Lei Tríplice e a Roda da Fortuna entram em
comunhão mágica como forma de alquimia ao mostrar que aqueles que estão sob os
pés de outrem, na terra pisada, cansada, se tornarão uma ave, um pôr-do Sol, um
mistério sereno, uma alegria repentina, uma toada antiga, porém nova quando
tocada, uma sorte que os ventos trazem através de pontuação de nomes esquecidos
no coração dos astros. Nunca sejas fechado aos Destinos dos Homens, cantou
alguém há uns bons pares de anos.
Mas aqueles que com arrogância impostaram
suas sinuosas sobrancelhas em montes de merda e areias quaisquer vão descender
em grau, virtude, fonte, sorte, norte, corte, termo e face em barulho de
rítmico serrote, espelhado em si, na velocidade de sua própria queda, pois
língua num é osso, mas quebra osso e quem ascendeu, hora dessas vai moer
moinhos por debaixo da foice da terra fria, embaralha de novo, há mais uma
partida, aposta as fichas, perde tudo, ganha em calvície, cabelos brancos,
sorrisos bonitos e coração profundo, essa profusão é um esplendor quando mirada
com os dois olhos em terra de cego, ambos fixos.
Covardia se paga com coragem,
assim como a Coragem é paga com covardia, mas faz parte do rei está morto, viva
o rei, é um jogral, uma paráfrase de um tensionado Destino que arrebenta corda
e encaracola-se em si, voltando a ser musicada in utero, embaraçada em sua prazerosa extensão aguda de quase corda
de berimbau, quase fio de teia que aranha tece. E a única norma que pode ser
forma é nenhuma regra ter, parafraseando divino intenso Belchior, é nunca fazer
nada que o mestre mandar, sempre desobedecer, nunca reverenciar, algo assim,
mais ou menos ou mais para mais que para menos, inclusive.
Corda bamba vira
gangorra de metal pesado, pedra de sal desmancha após tanta água mole, o velho
rejuvenesce e o que cresceu é tempo de decrescer, trilha, milho, folha, murcha.
A violência é calma, a maré é bravia, tudo que o Sol toca, vira por destemido
capricho da noite a Lua e mais um punhado de estrelas que cintilam e que
mostram finitude, extensão, propensão, ascendência e descendência, é uma
questão de ângulos, espelhos, nortes, como já disse e repito, o circular se faz
carne em verbo e necessário pode ser dito em breve momento para logo tudo
desfazer, pois é o desnecessário que vira e mexe importa.
Arame farpado
Uma adaga com o punho incrustado de pedras preciosas
perfura um coração preso numa tela de arame. O sangue de tonalidade escura,
levemente fresco e odor de ferrugem, penetra papilas e pupilas. É a vida que escureceu-se num beco sem sabor
e apodreceu sob um cinza céu acima de nossas cabeças num domingo ao cair da
tarde não percebida. Um velho gato me disse: “é bom ter você de volta, senti
saudades”.
Qual foi a última que fui tão longe? Pensei que dessa vez não
voltaria, fica cada vez mais difícil voltar e encontrar as notas certas para
cobrir aquela frase musical ou aquele rabisco que prometi a você ou mesmo para
retornar e comer um prato de comida, tomar um banho, vestir roupas limpas, dar
um jeito no apartamento. As palavras se tornam cotidianamente um arame sabor
ferrugem em meus dentes, é como se houvesse uma faca presa entre minha arcada
dentária.
Hoje eu realmente fui muito longe, as imagens do gato branco e preto
de minha infância, essa herança genética preenchida de medo, a imagem em
looping na cabeça de um sonho sobre a degola de uma mulher que jurei vingança (mas
antes de tudo um abraço e um riso sardônico), o arame de coração humano e ainda
vermelho vivo, acabava de sair do corpo de alguém, as pedras eram de um tom
violáceo que davam à peça cardíaca um aspecto de putrefato antes do tempo.
O
coração corpóreo e incrustado começou a cercar-se de pássaros negros que
dançavam em círculos leves, ritmados, em seu entorno. Olhei para o alto e
observei por cerca de treze minutos exatos os movimentos destes e das nuvens
que se cobriam de poeiras e camadas de várias tonalidades de branco. Como esses
animais sobreviviam, eles eram uma dança para o meu tédio concêntrico. Resolvi
fechar as janelas, escovar os dentes e me esqueci do coração momentaneamente.
quarta-feira, 7 de dezembro de 2016
Jardim
A vida é sempre a testemunha dos céus sobre nosso sangue que se expande em todos os tímpanos, feito impulso sonoro, feito um sono danoso e duradouro, próximo ao jardim. A calamidade de nossos ancestrais nos puxa por debaixo da cama pelos pés que sempre se encontram em desatenção e lá estamos novamente, rostos próximos demais ao pó da terra.
A taxa de mortalidade infantil ainda é alta se compararmos nossos corpos a motores semi-falíveis e justamente perecíveis que se expandem nesse espaço. Se a Lua sussurrada se combinasse com os diagramas esculpidos em meus dedos, diria que sou filha de alguma tristeza cozida em preces e olhos de boi, elefantes, ou de tantos outros animais de grande porte, largos, vastos, pesados. Mas há apenas o sonho de aranhas que passeiam sobre minha clavícula e cantando antigas canções ao lado dos meus olhos, nunca as vejo de frente, talvez sejam um detalhe entalhado desse lugar.
Há pouco esculpi um frondoso jardim em frente aos meus dentes de sabre, era de terra vermelha, havia uma água pantanosa, uns pássaros que cantam ao amanhecer, algumas nuvens fragmentadas nas alturas, flores que desconheço o nome e procedência, etc. Nada de assustador, garanto. Talvez um fio de corda próximo ao rio, uma lã tecida em silêncio ao lado da jarra de porcelana com um chá esverdeado e de produção indefinida. O tempo é muito solitário ao lado desse chá, mesmo ao lado da moça que preparou o chá na estufa onde estão algumas das bromélias e orquídeas, mesmo de frente para o paletó desbotado pendendo numa cadeira, no jardim.
Aqui há muita poeira cor da terra que por ser vermelha, mancha tantos tecidos, das mais variadas texturas, modelos e tamanhos. Olhei para meus pés e, mesmo depois de lavá-los com água sanitária, permanecem cor de água salobra que é a água tipica do jardim, juntamente ao avermelhado da terra opaca que paira em seus termos por sobre o chá da moça, sobre os tímpanos dos elefantes, sobre olhares de porcelana lunar de grande porte.
A taxa de mortalidade infantil ainda é alta se compararmos nossos corpos a motores semi-falíveis e justamente perecíveis que se expandem nesse espaço. Se a Lua sussurrada se combinasse com os diagramas esculpidos em meus dedos, diria que sou filha de alguma tristeza cozida em preces e olhos de boi, elefantes, ou de tantos outros animais de grande porte, largos, vastos, pesados. Mas há apenas o sonho de aranhas que passeiam sobre minha clavícula e cantando antigas canções ao lado dos meus olhos, nunca as vejo de frente, talvez sejam um detalhe entalhado desse lugar.
Há pouco esculpi um frondoso jardim em frente aos meus dentes de sabre, era de terra vermelha, havia uma água pantanosa, uns pássaros que cantam ao amanhecer, algumas nuvens fragmentadas nas alturas, flores que desconheço o nome e procedência, etc. Nada de assustador, garanto. Talvez um fio de corda próximo ao rio, uma lã tecida em silêncio ao lado da jarra de porcelana com um chá esverdeado e de produção indefinida. O tempo é muito solitário ao lado desse chá, mesmo ao lado da moça que preparou o chá na estufa onde estão algumas das bromélias e orquídeas, mesmo de frente para o paletó desbotado pendendo numa cadeira, no jardim.
Aqui há muita poeira cor da terra que por ser vermelha, mancha tantos tecidos, das mais variadas texturas, modelos e tamanhos. Olhei para meus pés e, mesmo depois de lavá-los com água sanitária, permanecem cor de água salobra que é a água tipica do jardim, juntamente ao avermelhado da terra opaca que paira em seus termos por sobre o chá da moça, sobre os tímpanos dos elefantes, sobre olhares de porcelana lunar de grande porte.
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